Eu estou... chorando?

Começar do início
                                    

Minhas mãos taparam minha boca.

Algo como aquilo não devia existir. Toda forma de vida existe para sobreviver. Seus corpos, seus instintos, sua mentalidade, tudo se volta para a função única de manter a própria vida. É simples, é natural. Cada mínimo detalhe, cada ínfimo aspecto é como é para permitir que a vida continue. A função de todo ser vivo é sobreviver.

Então… por que isso existe?

Destruição, morte – nada mais. Cada pedaço daquele corpo, cada centímetro daquela criatura – as garras, as presas, a mandíbula, a forma, a cauda, os espinhos, os olhos, a armadura, as pernas, os ossos, os órgãos, o cérebro, tudo, tudo naquela criatura – existia só para destruir e matar. Era só o que aquilo poderia fazer, era sua razão de ser, sua função. Destruir e matar. Algo assim, uma criatura como essa, algo tão abominável, jamais poderia nascer naturalmente…

Então… por que isso existe?

Os corpos partiam como se fossem de vidro barato, tudo se despedaçava em instantes.

Não… eu não.

Uma pancada.

Caí no chão, meu rosto doendo, minha cabeça confusa. Olhei para frente, para onde eu estava antes.

Lavínia?

— Se controla! – ela gritou.

— Do… do que você está falando? – eu perguntei. – Do que você está falando?

Rosnando…

A coisa se apoiou sobre as patas da frente, caminhou devagar na minha direção. Tentei me afastar, recuar, me arrastar no chão, ficar longe dela.

— Socorro! – eu gritei.

Olhei para Lavínia. Ela estava olhando para outro lado, fazendo um gesto como se pedisse para alguém esperar.

A coisa abriu a boca, chegou em cima de mim, me olhou nos olhos e lá eu só vi fogo e ódio.

“Meu nome…”

O quê?

“Qual é o meu nome?”.

Meus lábios não desgrudavam. Minhas cordas vocais não se mexiam. Eu estava tremendo. Todos os meus nervos estavam abalados.

— Eu… eu…

E então Lavínia se colocou entre o monstro e eu, encarando a criatura de frente.

— Já deu, não acha? – ela disse. – Você já fez sua bagunça. Agora deixa com a gente.

O monstro bufou pelas narinas bem em cima de Lavínia. Ela continuou como estava, impassível, tranquila. Olhei para mim mesma.

O que você está fazendo?

Aquela coisa se levantou de novo sobre as patas de trás, respirou fundo, fechou os olhos e, envolta pela névoa, desapareceu. Pouco depois, a neblina se dissipou, deixou para trás só o galpão.

Droga…

Vomitei. Não consegui me segurar. Não tinha como me segurar. Os corpos, o estado em que eles estavam…

Meu Deus, não…

— Você é um monstro, Emile – alguém gritou.

Me forcei a olhar quem fora. A piranha estava lá, de pé, a única viva no meio dos cadáveres.

— Minta para você mesma o quanto quiser, mas a verdade é a verdade! – ela disse. – Você é e sempre vai ser um monstro! Não há lugar para você nesse mundo! Você acha que esses dois vão te proteger? Acha que eles vão fechar os olhos quando você fizer outro massacre? Eles vão te matar. E se eles não matarem, outros vão. Esse mundo em que você se agarra com tanta força não te quer! E você é uma idiota se achar que um dia ele vai querer!

LimiarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora