É MAIS EMBAIXO

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  Se eu fosse uma mosca na parede da sua sala ou de seu quarto quando você e seu cônjuge estivessem discutindo algum problema, o que eu veria? Talvez uma frieza no falar, grosserias, um tom de raiva nas palavras, irritação, um interropendo o outro, acusações, críticas e coisas assim. Em um dia vocês discordam sobre a disciplina dos filhos, em outro dia sobre o porquê de o marido aceitar uma ex-namorada no Facebook dele, em outro sobre a interferência da sogra no casamento. A questão é que o verdadeiro problema não é aquilo que você vê. O problema é mais embaixo.
  O marido tem um vício, por exemplo. A esposa o vê praticando aquele vício e pensa que aquilo é o problema. Ela se irrita, o critica, tenta conversar e pedir para ele mudar, mas nada muda. Por quê? Porque o vício não é o problema. Há uma raiz, algo mais profundo que causa aquele vício. Ela não sabe o que é, possivelmente nem ele. Mas os dois discutem em círculos sobre aquilo que veem.
  Os problemas visíveis são apenas como folhas, galhos e troncos de uma árvore. Já as verdadeiras causas são menos aparentes, difíceis de detectar e entender. Porém, a única razão dos problemas visíveis existirem é a raiz que os alimenta. Se não houvesse raiz, a árvore não existiria.
  Quando você descobrir a raiz dos problemas no relacionamento, entenderá por que seu parceiro e você mesmo fazem o que fazem. A luta contra as folhas e os galhos dos problemas diminuirá- e muito-, bem como será amenizado o ambiente desagradável que costuma se formar entre vocês. A eliminação de apenas uma raiz ruim resultará em muitos problemas solucionados de uma só vez - e de forma permanente! Tal é o poder da mudança de foco. Saber focar a atenção e a energia no verdadeiro problema pode transformar seu casamento, pois tudo, inclusive nosso comportamento, depende de como olhamos, para onde olhamos, e como interpretamos o que olhamos.
  Stephen Covey menciona um acontecimento em sua vida que lhe ensinou a importância disso.
  Ele conta que um dia estava no metrô, sentado, e calmamente lia o jornal. O vagão não estava cheio, tudo estava calmo, e havia alguns assentos vazios. Na parada em uma das estações, entrou um pai com dois filhos muito travessos e se sentou ao lado dele. Os garotos não paravam. Pulavam, corriam para lá e para cá, falavam alto, e imediatamente tiraram a paz de todos no vagão. O pai, sentado e com os olhos fechados, parecia não ligar para o que estava acontecendo. Covey então não resistiu à indiferença do pai e, irritado, virou-se para ele e perguntou por que ele não fazia alguma coisa para controlar os filhos. O pai, parecendo notar a situação pela primeira vez, respondeu: "É verdade, desculpe-me. Saímos agora do hospital onde a mãe deles acabou de falecer. Eu não sei o que fazer e parece que eles também não..." Covey se desculpou e passou a consolar o homem. Imediatamente, toda a sua irritação contra o pai e as crianças desapareceu e deu lugar à empatia.
  Mas o que transformou o comportamento do antes irritado Covey?
Foi a maneira que ele passou a olhar a situação. Antes da informação dada pelo pai, Covey apenas olhava a cena pelas lentes de seus valores e princípios. "Como pode um pai permitir que os filhos sejam tão mal-educados? Se fossem meus filhos..." Mas depois da informação, sua maneira de ver mudou tudo. Note que não houve alteração nas pessoas: as crianças não pararam de se comportar mal, nem o pai fez nada para controlá-las. Apenas a ótica da situação mudou e, com ela, o comportamento de Covey.
  Assim também é no casamento. Julgamos o outro, exigimos que ele mude, pois o vemos pelas lentes de nossas próprias experiências, valores e conceitos. Mas todo esse conflito acontece porque não entendemos nem atentamos para o que realmente está por trás de cada situação. Por isso, uma das primeiras atitudes que você deve tomar para transformar a realidade do seu casamento é mudar a sua ótica- para onde você olha, como olha, e como interpreta o que vê. O desafio é saber para onde olhar, pois nem sempre a raiz é tão fácil de identificar assim. Deixe-me ajudá-lo, usando outra analogia.
  
   UMA SÓ CARNE, DOIS CONJUNTOS DE PROBLEMAS

  Quando duas pessoas se casam, ambos trazem para o relacionamento os seus problemas e questões pessoais. O que você não vê no convite de casamento perolado são coisas como:
  " João - viciado em pornografia, sofreu muito com bullying quando criança, extremamente inseguro - vai sr casar com Maria - que foi abusada na infância, uma bomba-relógio ambulante, disposta a qualquer coisa para sair da casa dos pais."
  O histórico dos noivos não vem escrito no convite de casamento - aliás, em lugar nenhum. Mas ninguém casa sem trazer a sua bagagem para dentro do relacionamento. Por exemplo, no caso deste casal, João e Maria, dá para ter uma ideia do provável futuro da união?
  No dia do casamento você só conhece de 10% a 20% da pessoa com quem está se casando - na melhor das hipóteses - e a maior parte do que você conhece é apenas o lado bom. Isso porque a maioria de nós sabe esconder muito bem os próprios defeitos quando esta namorando. Digo "esconder" não porque queremos intencionalmente enganar a outra pessoa, mas por ser um processo natural da conquista. Faz parte do cortejo colocar toda a força em dar uma boa impressão de si mesmo ao outro. Você sempre coloca a melhor roupa, mede as palavras, se afasta para soltar gases, sai oara jantar em um bom restaurante... De fato, a cena típica do restaurante ilustra bem esse ponto.
  Ele escolhe o restaurante que você gosta, vocês sentam à mesa e pedem a comida. Entre olhares de admiração um pelo outro, sobram elogios para o cabelo e a roupa, e os dois aproveitam aquele momento ao máximo. No final, ele paga a conta sem reclamar, é claro, e vocês saem felizes.
   Depois de casado, a cena muda um pouquinho. O jantar já é na mesa da cozinha, sem muitos enfeites. Ele comenta algo sobre o arroz não estar do jeito que ele gosta. E você, pela primeira vez, percebe que ele faz um barulho irritante com a boca enquanto mastiga...sem contar outros barulhos acompanhados de odores não tão agradáveis. Ao terminar, você nota que ele nem ao menos leva o prato à pia, que dirá lavá-lo... É aí que você se pergunta: "como é que eu fui casar com esta coisa?"
  Bem-vindos ao casamento! Agora é que vocês começam a se conhecer de verdade. E com o conhecimento desse "novo lado" do casal, vêm os problemas.
  Por essa razão, insisto aos que ainda estão noivos que sejam bem transparentes  e abertos com respeito a personalidades e passados durante o namoro, a fim de diminuir as surpresas lá na frente. Não fiquem encantados com a outra pessoa como se ela só tivesse o lado bom. Namoro é um período para descobrir tudo sobre a pessoa com quem você irá se casar. Coisas como o passado do pretendente, a família, a criação que teve, o relacionamento que tinha com os pais etc.
  Casamento não é o lugar nem o tempo para  surpresas sobre a outra pessoa. Não é depois de seis meses de casado que a esposa quer descobrir, pela ex-namorada do marido, que ele tem um filho. Não é na lua de mel que a mulher deve explicar ao marido que, devido a um abuso que sofreu na infância, tem dificuldade de se entregar a ele sexualmente. Quanto mais vocês souberem a respeito um do outro, menos chance haverá de surpresas desagradáveis.
  Uma vez aconselhamos um rapaz que nos procurou determinado a deixar a esposa apenas semanas depois de casado. A razão que ele deu foi que descobriu na lua de mel que ela não era virgem, como o havia induzido a crer. Ele se sentia traído por ela ter omitido esse fato e também tinha dificuldade de superar a dor emocional de pensar que ela havia tido relações sexuais com outros homens. O que para muitos pode parecer uma besteira, para ele foi razão suficiente para considerar a separação. Foi com muito custo que conseguimos convencê-lo a perdoá-la e vencer as emoções negativas. Eles permaneceram casados, mas seus primeiros anos de casamento foram marcados por sérios problemas.
  Não é que o passado negativo de alguém seja motivo para você não se casar com ele ou ela. Quem não tem esqueletos no armário, que atire a primeira pedra... Mas é imprescindível que você esteja ciente de como o passado de vocês pode afetar o presente e o futuro.
  Considere, por exemplo, o quanto um marido cuja esposa sofreu abuso sexual quando criança terá de ser paciente e compreensivo com ela. Para saber como, e se poderá lidar com isso, ele tem de estar ciente de todo quadro.
  Quando duas pessoas se casam, os passados de ambas também se juntam. E são eles, esses passados, que determinam o comportamento de cada um dentro do relacionamento. Por esse motivo, você não pode olhar somente para a pessoa com quem você está hoje, ainda que vocês já sejam casados há anos. Você tem que saber quem é essa pessoa desde a sua raiz, de onde ela veio, quem ela é, quais as circunstâncias e pessoas que a influenciaram e a fizeram ser a pessoa que é hoje - e tudo o que contribuiu para isso. Somente assim você poderá entender bem a situação e agir com eficácia.

Casamento BlindadoWhere stories live. Discover now