Prólogo

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-A tua deslealdade trouxe-te até aqui, tentaste contra Deus, contra os teus irmãos, e contra ti própria. Maldita sejas entre todas as criaturas, irás rastejar no pó da terra como a serpente, como o mais reles dos seres, vais sentir dor, fome, como qualquer humano, vais morrer e cumprir a tua pena no inferno, nada mais te resta, perderás tudo, o teu poder, as tuas asas, e viverás como uma reles humana, vais arder no fogo do inferno por pecares contra o bem. A tua vida nada mais importa para o céu, serás apenas mais um pedaço de pó.

A voz do arcanjo gritava na minha mente como fogo, sentia o meu corpo desmoronar, todas as forças que me restavam começavam a desvanecer, a minha voz estava num lugar tão longínquo que de cada vez que tentava gritar só ouvia um pequeno gemido.

-Levem-na! – Ordenou aos meus irmãos com um tom severo. – Sabem o que fazer.

Eles olhavam para mim com piedade, prostraram-se diante o arcanjo pedindo-lhe que reconsidera-se a sua decisão, mas o seu rosto manteve-se rígido. O meu corpo tremia, já nada fazia sentido para mim, não conseguia compreender nada, e não sabia o que esperar, mas pela cara de pânico dos anjos sabia que não seria nada de bom.

-Tudo podia ter sido diferente se tivesses cumprido o teu papel Ariela, erraste e irás sofrer as consequências como todos os outros antes de ti. – A sua voz vacilou por um segundo, o seu rosto foi inundado por uma tristeza severa, respirou fundo e continuou: - Anjos, não percam mais tempo.

Os anjos levantaram-se do chão, murmuraram umas palavras entre si e no momento seguinte já estavam diante de mim, agarraram o meu corpo com uma força sobrenatural, e partiram num voo rápido, tão rápido que não conseguia ver para onde me levavam. O terror apoderou-se de mim e já nem conseguia pensar, era a primeira vez que sentia medo e por muitos anos que vivesse seria difícil sentir-me assim novamente.

O voo abrandou e senti o meu corpo pousar com uma delicadeza que não esperava, um dos anjos abaixou-se perto de mim, os seus olhos estavam cada vez mais vermelhos e se não fosse um anjo diria que estava próximo do choro, a sua mão percorreu o meu rosto e os seus olhos pregaram-se nos meus quando finalmente ganhou coragem para falar:

-Espero que encontres um caminho melhor irmã, que a Terra não se apodere da tua alma, mas sim tu dela, espero ver-te novamente, talvez numa outra vida, que a sorte do céu te acompanhe por essa Terra dos Humanos, que muitos dizem ser pior que o inferno.

O outro anjo não conseguiu olhar para mim, e afastou-se, as palavras do anjo apenas me tinham assustado mais, então era mesmo verdade, o meu destino seria a Terra.

-O que me vai acontecer? – O anjo afastou os seus olhos dos meus, e aí tive a certeza que ele sabia exactamente o que me ia acontecer. – Por favor, eu preciso de saber!

-Mateus, não vamos perder mais tempo, sabes o que nos vai acontecer se não o fizermos. – O outro anjo aproximou-se de nós sem conseguir olhar para mim, enquanto Mateus continuava agachado sem reação

O som familiar de umas asas deslizarem no vento começou a aproximar-se, por momentos pensei que seria o arcanjo que tinha ditado a minha sentença, mas a medida que o som aumentava tornava-se cada vez mais familiar, eram as asas de Gabriel.

-Ariela! - O seu rosto exaltava preocupação, o seu corpo tremia tanto ou mais do que o meu quando me levantou do chão e abraçou com toda a força. – Pensei que nunca mais te veria!

-Não torne isto mais difícil irmão, nós temos que leva-la. – Pediu o Mateus com o olhar firme.

-Dêem-me um momento, é tudo o que vos peço.

Os anjos entreolham-se e assentiram com a cabeça.

-Um minuto, e tudo o que posso dar. – Os anjos afastaram-se deixando-me sozinha com Gabriel, os meus olhos percorreram o seu rosto, os seus braços, os seus longos braços, o seu peito, cada pormenor era importante para me lembrar dele quando estivesse na Terra.

-Quero ir contigo, eu faço qualquer loucura para que me condenem também, eu não te posso perder assim, eu não sei o que serei sem ti comigo.

As palavras dele eram sempre reconfortantes só por poder ouvir o tom da sua voz, mas desta vez era mais que isso, eu não me importaria de ser uma humana se tivesse o Gabriel comigo, mas eu não podia ser tão egoísta, ele tinha de continuar o seu trabalho no céu, assim como eu continuaria o meu na terra.

-Tens de ficar aqui, tens de proteger os outros anjos do Valdemar, tu és a única pessoa que sabe a verdade e tens de o parar antes que seja tarde demais, tu sabes disso.

-Eu não vou conseguir fazer nada sem ti.

- Por favor, não tornes isto mais difícil, quero que faças isto por mim.

-Então promete-me que te vou voltar a ver.

-Tenho a certeza que sim. – Sorri ligeiramente, sabia que o meu sorriso era reconfortante o suficiente para ele, mas na verdade não tinha tanta certeza que o voltaria a ver, não tinha a certeza de nada.

-Eu vou atrás de ti até te encontrar, nem que tenha que correr a Terra inteira. Eu vou provar a tua inocência e vou fazer-te voltar ao céu, nem que seja a última coisa que eu faça.

As palavras dele não me diziam nada, eram sempre tão bonitas, mas demasiado artificiais, pareciam demasiado Humanas, bonitas mas sem sentimento.

Os seus lábios tocaram nos meus levemente como sempre, os humanos esmagavam os seus lábios de uma forma quase dolorosa entre eles, mas no céu os beijos serviam apenas como sinal de afeto e de respeito.

Os dois anjos voltaram, o nosso minuto tinha acabado, mas pareciam apenas segundos perto dele.

O meu olhar cruzou-se uma última vez com o de Gabriel, e de repente tudo ficou escuro.   

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⏰ Last updated: Apr 10, 2018 ⏰

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Depois do céuWhere stories live. Discover now