Eles não deixariam rastros.

Entretanto, na vida real nem sempre os finais são felizes. Tarso acordara tarde demais, e quando chegou ao jardim, encontrou ali o seu avô, sem chances quaisquer de sobrevivência. Amarrado ao tronco de uma árvore, ele havia sido espancado e apunhalado tantas vezes que o jovem se lembraria apenas do rubro a lhe assumir as vestes. A vida era apenas um fio suspenso, prestes a romper-se, transformando a dor dele em um grito incapaz de soltar-se dos lábios, uma mescla de dor e raiva insuportáveis diante da incapacidade de mudar o rumo dos fatos.

O jovem biólogo não se importou em se salvar. Por um momento, abraçou o senhor que o fizera se sentir humano, tentando tirar as amarras. Acariciou e beijou o rosto débil daquele que mostrara que ser ou não igual ao pai e viver à sombra que o dominava era uma escolha dele.

No sirve de nada. Ya estoy muerto.

Deja de hablar tonterías!

Huye de aquí. Vaya a ver los ojos de Cármen... em seguida, os olhos do abuelo se apagaram, opacos. A vida lhe deixou ali, nos braços do neto que pôde amar pelo menos por algum tempo.

Tarso correu até a marina, onde ficava o iate do avô, o Esperanza. Lá havia apenas um homem, desconhecido, rondando a embarcação. O biólogo pegou um remo que estava disposto em um canto e conseguiu se aproximar sem fazer barulho. Ergueu o pesado pedaço de madeira e deu sem dó na nuca do homem, em um estalo surdo. Pegou a arma o mais rápido que pôde e entrou no iate.

Conseguiu dar a partida rapidamente e saiu dali, em direção ao mar alto. Estava há poucos metros do píer quando vários homens armados apareceram e apontaram suas armas. Tarso empunhou a que roubara, mas algo os impediu de atirar.

Foi seu pai, que saiu no meio deles. Ele sorria, como se aquilo o incitasse a voltar. Porém, ele sabia que aquela atitude paternal era uma armadilha. El Fuego Blanco queria um discípulo, coisa que Tarso nunca seria. Todavia, ambos sabiam que se encontrariam novamente.

Foram vários dias em meio ao mar para encontrar a ilha, ao sul do Caribe, cheio de receios e dúvidas. Jamais pensou que viveria longe da civilização, sozinho, em um lugar inóspito e selvagem. Mas assim ele fez.

Quinze anos se passaram e Tarso se adaptou àquela nova vida. Fez da ilha inóspita uma reserva natural, onde estudava o habitat luxuriante e primitivo, a fauna e a flora. Descobriu que o avô, precavido, criou um Instituto de Biologia para estudo dos ecossistemas, para o qual doou parte de sua herança a fim de garantir a manutenção e o desenvolvimento do trabalho do neto na ilha. Seu pai nunca o descobriria ali, pois qualquer verba voltada para ele passava por muitas pessoas e contas antes de alcançá-lo.

Discretamente, ele começou a buscar animais que sofriam por maus tratos e os abrigou na ilha para serem livres. Sua primeira aquisição foi a gorila Kika, que se tornou sua grande companheira, o mais próximo de amiga que um homem e um primata poderiam ser.

Tarso tornou-se um fantasma, nasceu novamente sobre a incógnita do ostracismo. Abdicou da vida luxuosa e confortável que tinha e criou para si um novo mundo, em meio aos bichos. Explorava a sua ilha e discorria ali as suas experiências, cujos resultados eram enviados para os grandes centros científicos do mundo todo, sob a alcunha do instituto Añadir. Não tinha problemas em dormir no alto das árvores ou entre as pedras. Deixara, de vez, as crueldades do mundo conhecido como civilizado para trás.

Contudo, a vida segue o seu ciclo, sempre capaz de proporcionar grandes mudanças.

Por isso, o mundo de Tarso mudaria mais uma vez.

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⏰ Last updated: Apr 03, 2018 ⏰

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