Sombras Além do Poço

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Kalel entrou no maior quarto da casa, o qual pertencia aos seus pais, antes da morte de sua mãe, é claro. Agora, a única coisa que restava ali, era um cômodo imerso em escuridão e trevas, que revelava um passado sombrio e não resolvido.

O corpo dopado sob as cobertas e almofadas, descrevia a atual situação de um ser que um dia fora um homem bem sucedido e descente, que agora, como demonstrava a cômoda, ao lado de sua cama, dominada por potes de remédios vazios, vinha a ser algo deprimente e deplorável.

Conhecendo bem o quarto, o jovem caminhou, no escuro, em direção à cama, desviando dos objetos que provavelmente continuavam jogados sobre o chão. O odor de azedo fuzilava suas narinas a cada passo que dava. Seus olhos lacrimejavam, não pelo odor, e sim, pela situação em que estava o homem que um dia havia sido seu herói.

Seu braço esticado balançou o homem de um lado para outro na cama, mas não obteve resposta. Em uma segunda tentativa, agora mais violenta, o corpo sobre a cama mudou-se apenas de posição, novamente sem resposta.

Dopado como sempre. Nem sei ainda porque tento. Raciocinou Kalel, parado ao lado da cama, secando os olhos lacrimejados com as costas do braço.

Com o cartão do banco em mãos e a mochila nas costas, Kalel se aproximou do caixa eletrônico. Colocou o cartão para ser lido e enquanto esperava, puxou seu celular e se olhou através da câmera frontal.

Seus cabelos pretos, ajeitados em um topete meio caído, combinavam perfeitamente com suas grandes olheiras, deixando claro suas noites mal dormidas, e o cansaço dos seus olhos castanhos.

Ele devolveu o aparelho ao bolso assim que as opções surgiram à sua frente. Com toques rápidos, fez o saldo de sua conta aparecer no monitor rapidamente, e ao ver aquele número, um tanto pequeno, sentiu uma leve onda de desespero tomar conta de sua mente.

Novecentos reais... Não acredito. Isso não vai durar muito, esclareceu para si mesmo com medo.

Kalel tirou o cartão do leitor e saiu ás pressas. No fundo, uma criança chorava por ajuda.

Com passos rápidos e largos, Kalel invadiu a sala de aula e se sentou na cadeira, atrás de seu amigo Lito, ignorando o "Olá", dito pela professora loira de vestido azul, que arrumava alguns papéis sobre a mesa maior que ficava à frente do quadro branco.

- Por que se atrasou tanto hoje? – perguntou Lito, encarando Kalel com seus belos olhos verdes.

- Tive que conferir uma coisa antes. – respondeu Kalel ajeitando sua mochila nas costas da cadeira.

- Tem haver com dinheiro?

Lito esperou alguns minutos, mas Kalel continuou a tirar o material de dentro de sua mochila, ignorando-o.

- Kalel...

- Não se preocupe. Não tem haver com dinheiro. – respondeu Kalel analisando os cabelos castanhos claros e bem arrumados de Lito.

- Se tiver, não precisa mentir para mim. Sabe que pode me p...

- Não tem! Ok? – cochichou Kalel de forma agressiva.

Lito desviou seu olhar de Kalel, encarando a mesa do amigo por algum tempo, enquanto a atmosfera que os circulava, permanecia em silêncio. Notando o incômodo do amigo, Kalel respirou fundo e disse:

- Desculpa. Mas, sabe que nesses últimos seis meses minha vida tem sido uma bagunça. – Lito voltou a olhar para Kalel, agora com um olhar de tristeza pela situação em que o amigo se encontrava. - A morte da minha mãe, a depressão e a auto dopagem do meu pai, o dinheiro do fundo de emergência acabando aos poucos... – Kalel respirou fundo, evitando chorar naquele local público, mesmo sentindo as gotas brotarem em seus olhos. – Eu... Me desculpa por descontar tudo em você.

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⏰ Last updated: Apr 01, 2018 ⏰

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