A Vida Segundo os Hannigan

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Era dia em Croghan, capital de Hasgidu. O outono trazia um ar fresco a um clima que até então tinha sido insuportável para Selevan. O vento soprava vigorosamente em seus cabelos, e eles faziam cócegas em seus olhos. Desejou por um instante ter madeixas mais grossas.

Tal pensamento foi prontamente refutado. Eu sou um fresco, pensou, teria eu me tornado um desses quarentões que tanto desprezo?

Os "quarentões" eram outros colegas de trabalho de Selevan, ou como gostava de chamá-los para sua irmã, seus exemplos negativos. Ganham fortunas para pentear seus bigodes da mesma maneira uns dos outros. Selevan era um diplomata, profissão que havia tomado importância enorme após eventos de pacificação recentes, independências de territórios anexados e a colonização de novas e misteriosas terras a sul, a qual ele fez parte.

Selevan não sabia o que o tinha levado a se tornar um diplomata. Claro, possuía conhecimento histórico e geográfico afiado. Sabia ser eloquente, cordial. Mas... nunca tinha sido seu sonho. Com sua família, na realidade, nada fazia sentido, quando o assunto se resumia a cargos. Sua irmã Elatha, maga e toxicóloga de primeira, ocupava agora o posto de comandante dos exércitos do duque, pelo menos também era a treinadora. Rumores corriam de que ambos tinham uma proximidade enorme. Ele sabia, no entanto, que não era o caso. As horas que Elatha passava na biblioteca eram apenas para polir seus conhecimentos afiados sobre tudo que podia ser utilizado em magia, ou na proteção da mesma. Eram, claro, cedidas por cortesia do duque. Ele era perdidamente apaixonado por ela. Ela, no entanto, não dava a mínima para o nobre, quiçá nem mesmo sabia desse interesse.

Elatha deveria estar treinando futuros magos ou anti-magos nesse momento, esforçando-se para ser digna do trabalho que lhe foi confiado. Enquanto ele estava ali, reclamando do cabelo e do calor que acabara de ir embora.

Hasgidu não era de climas extremos a nenhum momento. Era um país abençoado com chuvas constantes, temperaturas amenas e um ótimo uso de seu terreno. Comparado a Regust, era quente demais. Comparado a Dunorden, era o inferno de fogo e ferro ardente. Mas comparado a Astaria, era fértil e vivo, e o autor não se dará ao mérito de comparar Agharta, seca, quente, morta, complicada, a esse paraíso, ainda que a apenas uma cordilheira de separação.

A mente de Selevan rapidamente correu por todo o mapa mental do continente, do mundo. Das cartas que haviam sido entregues no dia anterior, nas que teria que enviar no dia de hoje. Providenciaria mais tinta e papel. Precisava melhorar a caligrafia. Precisava também treinar alguma pomba ou corvo para enviar mensagens... pombas seriam mais bem recebidas. Corvos lembram a morte. Uma pomba seria melhor. Primeiro precisaria aprender a como treinar uma pomba. É o ciclo de aprendizado, alguém precisava ser treinado para treinar. Ou não. Existem os autodidatas, como os magos de Agharta. Não, eles possuem o talento inato. É diferente.

Da sacada de sua sala, Selevan podia observar os pátios de treinamento cheios e vivos, logo àquela hora da manhã. Circundado por muralhas fortes de pedra por fora, onde se estendiam pequenas torres, o quartel apresentava uma grama pisoteada, porém ainda verde. Grande o bastante para o treinamento de um regimento, estava cheio dos mais novos recrutas que se enrolavam com as espadas, enquanto alguns começavam com corridas e puxavam ferros, madeiras e pedras.

Selevan não pode evitar pensar em como seria sua vida se tivesse se tornado um guerreiro e não um diplomata. Não apenas um soldado, mas um guerreiro. Um guerreiro como os lendários de Kua, que andavam pelo reino em busca de lordes que quisessem sua espada em suas batalhas sangrentas e gloriosas. Quantas histórias iriam ser contadas sobre o guerreiro de cabelos ondulados e sedosos, usando o verde como se a cor o pertencesse.

Porém, como a própria tia costumava dizer, nem sempre temos o que queremos da vida, e talvez as coisas são do jeito que são por algum motivo específico. Ela argumentava sobre a existência de uma coisa chamada destino, mas Selevan não tinha certeza se esse realmente existia. Se de fato houvesse algo assim, com certeza o destino iria querer ser um pouco mais audacioso com a vida de Selevan. Bailes e intrigas políticas ainda não haviam caído muito no seu gosto.

A Snake Among WolvesNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ