Prólogo

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Cansada de minha rotina sórdida, resolvi ir embora da biblioteca um pouco mais cedo, admirando silenciosamente a paisagem corroída de minha cidade. Meus olhos fundos, apenas noticiavam o que era inevitável: o próprio cansaço. Apesar de meu corpo estar terrivelmente dolorido da noite passada, eu ainda consegui vir trabalhar, consegui sorrir, consegui fazer tudo em perfeita ordem. Nunca me deixo abalar pelas poucas coisas, e não é agora, que deixarei isso acontecer.

  Me chamo Aaminah. Sim, um nome bem diferenciado, exótico. Tenho meus trinta e seis anos, e sou leitora voluntária, além de trabalhar de empregada doméstica em algumas casas. Havia parado com isso a alguns anos, mas a meses atrás, tive que retornar a serviço. Devem estar se perguntando, o porquê de meu corpo doer tanto, e porque estou tão melancólica. Bem, ontem me divorciei de meu marido, e ele não aceitou bem. Passei anos da minha vida presa ao relacionamento abusivo, transando sem vontade, amando sem amor, cozinhando sem alimento, e sorrindo sem sentir felicidade. Fui dona de casa, pois meu marido não gostava nem um pouco que eu trabalhasse, especialmente quando tinham jovens rapazes morando nas casas onde eu faxinava. Em minha pele, estão as marcas e o preço que paguei. Mas ao menos, estou livre dele, então, me sinto um pouco aliviada. Mas para o alívio ser completo, eu preciso mesmo, é que ele suma da face da Terra.

  Ou que ao menos vá preso.

Não sei por onde começar, mas sei que se não me ajudarem, saberei bem o meu fim. Quem é mulher, sabe o preço caro que pagamos, e a vontade extremamente grande que sentimos de ser qualquer coisa. Menos mulher. É estupro, morte, sequestro, latrocínios. Feminicídio.

E são coisas tão simples, que não conseguimos nem ao menos reparar, até que estejamos mortas.

Começa assim: "Ninguém te amará, como eu te amo."

E ai...começamos as sucessões indiretas:
"Não vá com essa roupa, é vulgar!";
"Pare de sorrir para qualquer homem, isso me dá ciúmes";
"Você não precisa de amigos. Eu sou seu amigo.";
"Bem que você poderia dar uma emagrecida, amor, é saudável";
"Aqui, trouxe esse prato de salada para você";
"Não use maquiagem forte! É coisa de puta".

E assim, continua um círculo vicioso, e como uma distração, eles vão nos fechando num tipo de cerco. E quando vamos ver, acontece a primeira pegada forte no braço.

O primeiro empurrão.

Xingamentos mais óbvios.

Não aceitar um "não" na hora do sexo.

O primeiro machucado na boca.

O primeiro olho roxo.

A primeira costela quebrada.

A primeira asfixia.

E SEMPRE, a desculpa será acompanhada por flores, ou chocolate, e claro, um "Eu te amo, isso não vai mais acontecer".

   Meu nome é Aaminah Lukey, e a partir de hoje, vou relatar a vocês, a vida de uma mulher.

Uma mulher, que na realidade, são várias.

SilêncioΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα