Proposta

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Mordi o croissant que parecia da semana passada. Mastigando com certa dificuldade, tomei um gole do café na intenção de conseguir amolecer a massa o suficiente para engolir. Olhei o relógio em meu pulso e já estava quase na hora de entrar na empresa. Fiz careta ao sentir o pedaço do croissant se arrastar por minha destruída garganta e amaldiçoei aquele emprego no call center. Se não fosse o único que consegui com meu péssimo currículo com certeza já teria sambado na cara de minha chefe insuportável.

Eu não fazia a mínima idéia de como conseguiria trabalhar naquela segunda-feira fazendo ligações para clientes com a garganta inflamada a ponto de ser difícil engolir até mesmo a saliva.

Após atravessar a rua entre a padaria e o prédio da empresa, entrei no call center e logo senti o gelo que estava o lugar. Como se o dia não estivesse frio o suficiente o ar condicionado estava ligado e para completa desgraça minha PA ficava exatamente embaixo do vento frio. Nem me atrevi a retirar meu sobretudo marrom surrado, afinal não queria congelar.

Angela, minha colega de trabalho que senta logo atrás, deslizou com sua cadeira até meu lado me entregando uma bala. Sorri agradecendo.

— Tenho algo para mostrar e você vai cair dura — avisou ela passando o dedo no celular enquanto eu abria a bala e esperava o sistema iniciar. —  Olha essa mulher, filha de um político ricaço que ficou noiva do herdeiro Vielmont. —  Angela colocou o celular diante do meu rosto e arregalei os olhos. — É a sua cópia, só que loira.

— E rica, muito rica! — afirmei, passando o dedo na tela, lendo o artigo onde dizia que a mulher viveu na França nos últimos anos e voltou ao país recentemente.

— Tem certeza que não é sua irmã gêmea?

Dei uma risada.

Eu não tinha tanta sorte assim, meus pais eram muito humildes, viviam numa cidade pequena e desde que fui morar em Nova York passava o ano juntando dinheiro para ter condições de ir vê-los em dezembro e dar-lhes ao menos uma pequena quantia. Meu irmão mais novo — mesmo com vinte anos — não fazia nada da vida, nem mesmo ajudava nossa mãe com as marmitas que ela fazia para vender. Quando eles contavam para os amigos e vizinhos que eu morava em Nova York todos achavam que estava bem de vida, mas minha realidade era outra.

— Como é lindo esse Leon Vielmont, olha. — Mostrou Angela depois que devolvi o celular.

Virei para olhar o belo rapaz de terno azul escuro, uma aparência jovem e o cabelo arrumadinho para o lado. Não fazia meu tipo.

— É bonitinho. — Angela ficou horrorizada com minha resposta e logo em seguida mostrou a foto dos outros dois irmãos Vielmont. Edward e Edmond que eram bem diferentes.

Edward tinha um estilo mais motoqueiro rebelde, mesmo com gravata ele não deixava de usar também jaqueta de couro. A barba era cheia, mas bem aparada. Sempre aparecia nas revistas de fofoca ao lado de uma modelo diferente. Enquanto Edmond, como mais velho e atual presidente do grupo Vival, estava sempre bem vestido, tinha os traços marcantes, a mandíbula que faz a gente querer deslizar a língua contornando até chegar aos lábios convidativos, mas é muito bem casado com uma socialite linda e jovem.

— Pare de me mostrar pessoas ricas logo cedo, assim perco a vontade de viver. — Minha colega gargalhou ao me ouvir e após um suspiro peguei o headphone para começar o trabalho.

Já podia ouvir a voz de minha chefe peçonhenta que chegava gritando bom dia para os quatro ventos. Com o salário e a sala dela até eu chegaria animada e pronta para dar umas chicotadas em todo mundo alí.

No fim do dia saí da empresa praticamente sem voz e tossindo feito uma condenada. Meu último cliente foi um senhor de setenta anos que atendeu o telefone no lugar do filho e não ouvia praticamente nada, me obrigando a gritar cada palavra pausadamente.

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