Capítulo 1

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Às vezes é complicado manter a paciência. Às vezes eu só quero ficar sozinho. Fico "sozinho" quando não estou por perto dos meus pais ou de Cláudio, pois não consigo entrar em contato com nenhuma outra pessoa que existe. Sempre que tento conversar com alguém, abordando-o como uma pessoa normal faria, Gabriel impede que o ato se conclua. Ele invade a minha mente, me diz coisas esquisitas e ameaças aos meus alheios, e isso me incomoda profundamente. Quando tento me rebelar contra a sua vontade – o que eu costumava fazer com muita frequência, estupidamente –, Gabriel intervém aniquilando meus supostos inimigos com sadismo abrupto. As mortes já me traumatizaram, e agora tento o máximo que posso não estabelecer contato visual, físico ou até mesmo um diálogo simples com as pessoas. Por este motivo, sou tachado de autista. De um jeito pejorativo.

Sempre invisível, eu nunca vi Gabriel.

Nunca estou realmente sozinho, por mais que ele não seja de conversar muito, pois eu sinto a sua presença constante no meu cangote. Raramente é confortante, mas em quase todas as vezes eu apenas queria ficar sozinho. Absoluta e realmente sozinho. Sozinho de verdade. Não compreendo com exatidão o que significa ficar a sós, embora eu me sinta isolado dos meus semelhantes constantemente. Quando há somente eu de humano num local, há um ser sobrenatural pairando sobre mim. Quando há muitos humanos num local, eu me isolo mentalmente. Eu não sei como me sentir em relação a toda essa tempestade de asneiras paradoxais. É agoniante. É complicado manter a paciência, porém eu ainda estou aqui. Vivo. Muitas vezes foi por causa de Gabriel, meu Anjo da Guarda, que ao longo dos meus quase dezoito anos de vida resguardou minha integridade contra diversas brigas gratuitas. Nestes momentos eu sou grato por tê-lo me vigiando. Mas, apesar disto, mais numerosos são os momentos em que eu tenho uma raiva imensa e incontrolável do anjo. Eu o xingo, vocalizo um monte de porcarias contra tudo o que ele é, o que ele talvez seja, o que quero que seja e o que não quero que seja, mas ele se limita a não dizer nada. Nenhum contra-argumento em autodefesa. E essa ignorância me irrita ainda mais.

As brigas vêm fáceis pra mim, pois eu incomodo muitas pessoas simplesmente por ser meio estranho perante elas, ou porque elas são incomodadas de outro jeito. Procuro evitar lugares em que haja aglomerados humanos, visto que o superprotetor do Gabriel as "cutuca" quando passam perto demais de mim, a um peido de distância, e daí essas pessoas pensam que foi eu quem as "cutucou" e se irritam comigo por algo que não fiz. É um verdadeiro inferno.

Pensando bem, eu não gosto de Gabriel, nunca. Nunca. Eu tento me simpatizar com ele, mas não adianta. Não adianta. Pensando bem, todos os problemas que tenho são culpa dele. Ele nunca, jamais, foi a solução dos problemas que ele mesmo me arranjou.

Minha cabeça nunca foi normal. Alguém bate na porta do meu quarto.

Antes absorto nos meus pensamentos, agora estou sobressaltado na cama.

– Filho, Cláudio está aqui – minha mãe diz, por trás da porta.

– Obrigado por avisar, mãe.

Cláudio sempre pode entrar sem pedir permissão, esse tapado. Aguardo deitado na cama, sobre lençol e tudo, amassando-a toda, desajeitado. Uns baques na escada de madeira e Cláudio abre a porta com aquele carismático sorriso preguiçoso dele e cabelos pretos desleixados sobre olhos indolentes, todos estes enfiados num rosto redondamente normal e sem graça. Meu único amigo.

– E aí, vagabundo – saúdo.

– E aí – senta na cadeira do computador. – Só na boa?

– Nunca na boa. O meu único alívio é quando você vem falar merda aqui – rio.

É triste, mas é verdade.

O Intocado (amostra)Where stories live. Discover now