Capítulo 40 - Ele... me deu um beijo

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— Condenamos você por ter ousado tocar no nosso lago em homenagem ao nosso irmão.

O galho que me prendia foi subindo, agora cobrindo os seios — só não pegou meus braços porque eu os erguei, mas sabia que isso só adiaria a prisão dos mesmos. Quando chegou ao busto, fiquei novamente preocupada. Então num ato desesperado, tentei congelar a árvore. Teria sido uma ótima ideia se não tivesse acelerado o processo de enjaulamento-galhau — foi o melhor nome que encontrei pra isso.

Mesmo com meus braços erguidos, os galhos foram tomando conta. O pescoço já estava todo coberto, agora dificultando minha respiração. Então percebi que elas também estavam me apertando, como uma cobra faria com sua presa. Logo, logo eu viraria jantar das Helíades.

Tanay, onde está você? Algum plano seu viria a calhar agora, me vi pensando, enquanto sentia meus braços sendo tomados e agora aos poucos meus rosto também era. Minha boca foi sendo coberta aos poucos, já diminuindo o ar que chegava aos meus pulmões. Minha primeira reação foi fechar os olhos, decidida a me entregar a morte — coisa que já havia adiado fazia tempo.

Até que ouço um barulho de algo se quebrando — minha cabeça já havia sido coberta tinha um tempo — e logo meu corpo atinge algo duro. Segundos depois o casulo começa a se encher de água, mas como não podia me mexer — e o ar nos meus pulmões estava acabando —, decidi que aceitaria o que tiver que vier.

Não sei o que acontece depois. Só sei que quando meu pulmão encontrou o ar mais uma vez, Tanay estava lá, cortando os galhos de mim com uma adaga de gelo. Enquanto ele tentava me livrar daquelas coisas, eu respirava ofegante, ansiosa pelo ar que ficara sem por alguns instantes.

Quando meu corpo estava completamente liberto, percebi que estávamos ainda em cima do lago congelado.

— Melhor... sairmos daqui — falei, só então percebendo minha voz rouca.

Tanay assentiu e me ajudou a pôr de pé, embora sentisse meu corpo molenga. Era como se os galhos tivessem sugado toda minha energia para si. Tive que me apoiar no meu irmão porque mal conseguia andar direito! Ele entendeu o recado e me ajudou a dar alguns passos.

Bem, a sensação de estar livre não durou muito porque mais galhos se agarraram em mim — dessa vez nos meus cabelos —, rapidamente tomando conta do meu rosto agora, cortando meu ar mais uma vez.

Entrei em desespero.

Felizmente Tanay deve ter agido mais rápido dessa vez, cortando os galhos antes que eles sequer chegassem no meu pescoço — eu só sabia disso porque eles pararam de crescer. Senti meu corpo sendo erguido e não demorou muito até eu estar sendo deitada num lugar gramado. Ele havia ao menos me tirado do lago, embora tenha me colocado ao lado dele.

Meu irmão novamente começou a me livrar dos galhos, cuidadosamente com uma adaga de gelo. Aos poucos eu agradecia mentalmente de novo por estar respirando novamente.

Até que eu ouvi um xingamento vindo dele

— O que foi?

Tanay suspirou antes de dizer:

— Dessa vez embolou muito no seu cabelo.

— Hein? — não sabia bem onde ele queria chegar.

— Vou ter que cortar.

Foi aí que a ficha caiu.

— Como é? — grunhi.

— Vou ter que cortar seu cabelo.

Por um momento fiquei sem saber o que responder. Era óbvio que eu não queria que ele cortasse meu cabelo — até cogitei uma possibilidade de ficar o resto do jogo com os galhos na cabeça.

— Tudo bem?

— Pode... cortar — falei, bastante à contragosto.

Senti ele segurando meu cabelo com força, esticando os fios, até que não senti mais sua força puxando meu cabelo. Ele tinha cortado mesmo. Engoli em seco, não querendo acreditar naquilo, mas acabei levando uma mão ao mesmo, só pra ter a confirmação. Meu cabelo que antes batia pouco mais abaixo dos ombros, agora estava na bochecha. Não sabia que ele cortaria tanto assim.

Fui me levantando do chão devagar e observei meu cabelo nas mãos dele — cabelos esses que foram mudando da cor azul ao branco, até simplesmente desaparecerem. Respirei fundo, agradecendo por não ter nenhum espelho por perto porque eu sabia que surtaria se me visse de cabelo curto agora.

— Melhor voltarmos — anunciou ele.

Embora o caminho tenha sido desconfortável pro causa do beijo que acontecera — acho que na verdade o caminho foi mais desconfortável pra mim —, não demoramos muito pra chegar pela noite como de costume.

Henrietta e Quant cuidavam da fogueira e ela assava a comida enquanto ele esperava ansiosamente pra comer. Permiti me sentar perto de Henri e Tanay acabou se acomodando ao lado de Quant. Agradeci mentalmente por estarmos sentados paralelamente.

— Precisamos planejar nosso plano de ataque — anunciou Tanay.

— São quatro contra pelo menos vinte — disse Henri. — Não acho que teríamos sucesso.

— Quantidade não é nada comparado a estratégia — contra-argumentou o líder.

— Então o que sugere?

— A primeira coisa é contar com máquinas feitas por esse cara — ele disse, dando tapinhas nas costas de Quant. — O resto vai ser feito por nós mesmos.

— Já tem um plano ou você acabou de pensar nisso?

— Eu tenho um plano. — Eu conhecia aquele seu sorriso destemido. — Mas vamos precisar de tempo. Tudo bem pra vocês?

Quant foi o primeiro a assentir. Percebi que a expressão de Henrietta não estava muito passiva — acho que ela ainda tinha trauma do que acontecera à Daniela —, só que não demorou muito até ela assentir levemente com a cabeça. Quando vi, a decisão final havia ficado comigo. Os três olhares se dirigiram à mim, mas quem eu quis encarar naquele momento foi Tanay.

Ele me olhava com atenção, esperando minha resposta, entretanto, eu sabia que tinha muito mais coisas escondidas dentro dos gélidos olhos azuis. Os mesmos que me encararam quando nos beijamos. E como "curiosidade" é algo que faz parte da minha vida...

Acabei assentindo.

— Boa escolha, vice-líder. — E aquele pequeno sorriso voltou ao seu rosto, me chamando para um desafio silencioso.

A Guardiã do Gelo - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora