- Não.

Olhei para o seu rosto e ele parecia mesmo arrependido por ter feito o que fez, era até engraçado que a primeira expressão visível no seu rosto hoje fosse essa.

- Desculpe por isso. Eu estava totalmente estressado e deveria ter punido vocês duas de outra forma, mas eu não poderia voltar atrás. Regras são regras. E sinceramente, naquele momento, eu estava bem perto de perder a linha da fúria e sanidade.

- Foi quando ela rompeu com você?

Ele engoliu em seco à minha frente e tudo o que eu conseguia pensar era que ele ainda devia gostar dela e eu que era uma tremenda de uma idiota. Mesmo que nossa noite tivesse sido maravilhosa e que ele estivesse aqui por mim, poderia ter pensado nela. Eu não lia pensamentos e nesses momentos adorava essa verdade na vida.

O estrago que causaria as pessoas poderem ler pensamentos seria enorme e tudo viraria uma verdadeira confusão. Algumas coisas eram assim porque eram, temos que aceitar. Já que se fosse o contrário nada seria tão perfeito como antes.

- Não, foi quando eu comecei a suspeitar que ela romperia.

Se eu fosse uma Emily tranquila e passiva, teria sorrido de forma doce com sua resposta. Mas minha natureza me impedia de fazer isso, fingir que não doía ele falando de outra quando a realidade era totalmente contrária. Era horrível ouvir um homem falar sobre outra mulher e era pior ainda se esse homem admitisse que sofreu com o rompimento com a ex. Muito pior.

- Ela me ligou e perguntou quando iria pisar em terra e eu falei a mesma coisa de sempre. A data que eu pegaria licença- Hopper mexia nos retalhos do meu colchoado como se fosse encontrar todas as respostas ali e aquilo estava me matando – ela se enfureceu e me mandou à merda, disse que não aguentava mais essa vida e que já bastava ver a mãe passando pela mesma coisa. Falou que não queria isso pra ela... Decidi desligar e dar um tempo para esfriar a cabeça, o que não aconteceu e na próxima vez que ela ligou foi mesmo para terminar.

Deu um sorriso amargo e olhou para mim. Tentando entender os sentimentos que passavam pelos meus olhos.

- O pai dela é da Marinha?

- É o Almirante.

Merda. O Almirante? Agora eu só queria saber como Hopper ainda estava vivo. Depois de ter um relacionamento conturbado com a filha do Almirante, duvidava que muitos sobreviveriam para contar a história. Era um verdadeiro milagre ele estar conversando comigo nesse momento.

- E ele sabe?

- Claro que sim... Eu contei no dia em que me chamou para avisar da transferência.

- Acha que ele se vingou pela filha?

- Não. Eu que pedi Em, eu pedi para ser transferido. Eu quis mudar de batalhão, quis mudar de localização, quis dar chances à você. Fiz tudo isso com um único objetivo em mente e ele não era nada patriótico.

Como eu conseguiria ficar pensando nos seus possíveis sentimentos pela ex quando me dizia coisas como aquela? Eu não era de ferro, meu coração não era tão frio como gelo e bastava essas pequenas coisas para me fazerem babar como uma idiota perto dele. Não fazia a menor ideia de onde ele tirava esse estoque de palavras incontestáveis, mas caramba, ele era bom nisso.

Bom em deixar as pessoas intimidadas e estupefatas.

O silêncio que pairou no quarto era devastador. Continha muitas palavras não ditas e muitos sentimentos não expressados. Ambos éramos adultos o bastante para saber que alguns fatos simplesmente não precisavam ser esclarecidos e que a ignorância poderia ser um presente sem precedentes nesses casos.

Ouvimos a campainha ao mesmo tempo e meu corpo ficou tenso de imediato. Situação normal para quem vivia com o consciente aguçado e prestando atenção ao redor. Nós não podíamos ficar desatentos, uma falha e uma vida poderia acabar.

Levantei o edredom e corri vestir uma roupa, a pessoa ficaria tocando aquela porcaria de campainha até que alguém fosse atender. Sabia muito bem quem faria aquilo e tinha plena noção de que era tudo o que eu menos precisava nesse momento: um irmão superprotetor para torrar a minha paciência quando visse que eu tinha companhia.

Para ele não fazia diferença que eu tinha a idade da sua esposa, muito menos que ele tinha ela pra cuidar. Minha vida era muito melhor para dar palpites e ficar intrometendo-se onde não era chamado.

- Em eu sei que está aí! Abre logo essa porta ou eu desço ela em um piscar de olhos!

Olhei para Hopper me desculpando pela gritaria do meu irmão e percebi pelo seu semblante que ele havia entendido tudo errado. Era tudo para melhorar.

- É meu irmão.

Ele soltou um suspiro e pegou sua calça jeans no chão, vestindo-se vagarosamente e sem a menor preocupação. Já devia estar imaginando o que o esperava e eu no lugar dele também não teria a menor pressa.

Abri a porta terminando de colocar um casaco e Gregory entrou como uma tempestade na minha sala, com uma expressão nada boa.

- Você não responde minhas ligações! Só soube que estava viva através do papai. Isso não é legal, Em! Deixar sua família sem notícias dessa forma!

- Greg, eu já tenho vinte e sete anos! Quando você vai parar de se preocupar tanto?

Vi que meu irmão ficou quieto e senti o ambiente explodir com a testosterona. Hopper deveria ter ficado no quarto, agora as coisas piorariam para o meu lado consideravelmente.

- Mas que inferno está acontecendo aqui?

- Você é bem grandinho, deve saber...

- Ai meu Deus, eu não quero te imaginar com esse....esse- apontou para o Hopper- cara! Papai sabe disso?

Porque ele tinha essa mania de colocar nosso pai em todas as discussões? Me fazia sentir uma pirralha tendo que pedir autorização para fazer tudo ao pai.

- Vai saber hoje.

Hopper se pronunciou e deixou eu e meu irmão atônitos. Eu não queria confirmar essa sua ideia, mas de que outra forma eu conseguiria me livrar do Greg sem ouvir mais asneiras sobre o quanto eu era desleal com a família?

- Bom mesmo. E quem é você?

Cruzou os braços e ficou esperando o Hopper explicar toda a nossa situação. Não fazia a menor ideia do que ele falaria ou se daria atenção para a competição clara de masculinidade que meu irmão estava querendo dar início.

- Austin.

- Ah sim, só Austin? Tipo o Austin Powers? Magnífico! Esplêndido!

Meu irmão exagerava normalmente, hoje ele estava praticamente perdendo a linha. Hopper poderia não levar as suas piadas para o lado certo e tudo acabaria voando pelos ares.

- Greg, por favor, pode ir embora? A gente se vê na casa da mamãe e do papai hoje, o que acha?

- Eu vou vir aqui se você não aparecer! Não confio em pessoas com nomes estranhos. – franziu o nariz e nem se preocupou em despedir do meu "convidado". Claramente um sinal de que não estava contente com aquilo, como se fosse mudar alguma coisa na minha vida a sua opinião.

- Seu irmão é complicado. Mas dá pra entender...

- É... Sobre ir até a casa dos meus pais, não é realmente necessário, posso dizer que é apenas um amigo e fica tudo certo. Sempre fiz isso e no final as coisas se normalizavam.

- Não. Eu vou ir.

Abri a minha boca para refutar, mas decidi ver como tudo ficaria. Seria no mínimo engraçado. 

AustinWhere stories live. Discover now