Olhei para a carta em cima da escrivaninha com o meu dinheiro. Estava escrito "primeiro salário" nela. Prendi o fôlego e desejei mentalmente que Allen saísse pela porta da frente da colônia. Abri a janela e fiquei esperando. Quando finalmente o vi, abrindo a porta da frente e saindo, chamei ele da janela:

– Vamos sair mais tarde? Beber um café ou algo do tipo? 

Ele sorri e sei que vai aceitar. 

– Que tal às 4? – perguntou. – Eu venho te buscar. 

Confirmei.

Com um suspiro, fechei a janela. 

Me joguei na cama e abracei o meu travesseiro, revisando mais uma vez tudo o que eu iria dizer para ele. 

Mas, de alguma forma, o que eu tinha em mente parecia não se fixar mais.

♔♔♔  

Poucas semanas atrás, Rennê tinha feito dois novos trajes para mim: o primeiro era um suéter branco muito fofo que fazia par com uma legging preta e um par de botas (que eram tão deliciosamente confortáveis!). O segundo era uma blusa florida de manga curta e seu par era um macacão jeans. Escolhi a segunda opção porque não era todo dia que eu poderia usar um macacão como aquele. 

Foi quando notei a ausência de um dos meus uniformes. Era aquele com uma manchinha de ketshup na barra, mas não liguei muito na hora. 

Coloquei a blusa. Enquanto botava o macacão, me peguei pensando se Allen acharia meu visual infantil. 

Yanna estranhava muito as minhas roupas. Ela as achava lindas de morrer, mas uma vez a peguei encarando o tecido da saia preta.

– Esse tecido é muito caro – Yanna disse pra mim. Eu dei uma risada tensa e disse que comprei em uma loja em promoção quando estava em Suspy. Ela franziu a testa.

Mas não é a primeira vez que observa meu comportamento.

Uma vez, estávamos tomando café na cozinha quando ela fez um comentário sem prestar muita atenção:

– É engraçado ver você comer. É como se você tivesse aprendido a fazer isso.

Olhei pra ela, confusa.

– E nós todos não aprendemos? – perguntei.

Ela mastigou um pedaço de pão e limpou a boca com o guardanapo, negando com a cabeça.

– Quer dizer, aprendemos. Mas você faz isso com certa elegância. – Parei de comer e olhei pra ela. – Não sei explicar. Talvez seja porque a família real te conhece. Isso fez sentido?

– Fez, claro – continuo. – Quando se é amiga da família real, você começa a ser mais cuidadosa com cada movimento.

Ninguém jamais tinha dito que eu comia de um jeito elegante. Eu não percebia esse tipo de coisa!

Allen apareceu às quatro e dez na frente da colônia.

Ele me impressionou quando me levou até uma cafeteria que – milagrosamente – abre aos sábados e domingos.

Durante o encontro, fiquei com a sensação ruim na minha barriga e quase não toquei no meu café.

Ele me perguntou duas vezes se eu estava bem, no passo que eu respondia que sim e sorria fraco sempre.

Quando eu tomava coragem para abrir a boca, eu travava. Era uma sensação horrível.

Estávamos no final do encontro, quando finalmente seguro a mão de Allen e começo:

– Allen, eu preciso te contar uma coisa. Eu realmente – respirei fundo – realmente preciso falar isso pra você. Mas você vai ter que me jurar segredo.

Allen ficou sério e fez que sim, apertando minha mão.

– Juro.

Então, as palavras se atropelam em minha língua e eu vacilo. Ele suspira desanimado e puxa levemente a mão de volta, mas eu seguro.

– Eu sou...

E o celular dele vibrou. Suspirei aliviada enquanto ele tirava o celular do bolso e observava o número na tela, levemente impaciente.

Franziu a testa. 

– É minha irmã mais nova, Twila. Isso é estranho, ela normalmente não me liga pelo próprio celular.

Fiz um sinal para ele atender.

Allen leva o celular ao ouvido e eu consigo ouvir a voz da irmã dele do outro lado, porque ela está gritando.

E então não ouço mais nada após isso.

As coisas que aconteceram a seguir foram rápidas. Os olhos de Allen se arregalaram e uma expressão de dor dominava o rosto dele. Depois, a mão que não apoiava o celular sustentou  sua cabeça na mesa. Enquanto ele,  cabisbaixo, murmurava.

Então, ele levantou o rosto rapidamente e berrou ao celular, furioso: 

– ENTÃO CHAME A AMBULÂNCIA AGORA.

Ele começou a respirar pesadamente e desligou o celular.

Allen piscou algumas vezes e me olhou.

Senti saudade do sorriso dele naquele momento. Doía em mim ver Allen daquele jeito.

Perguntei o que aconteceu.

– É a minha mãe. – explicou tão rapidamente que quase não entendi. – Alpha foi à uma festa e não atende o celular. Keito está do outro lado do mundo com a esposa. Twila só tem nove anos e estava sozinha com ela quando minha mãe... Twila não sabe o que houve, estou com medo que ela possa ter tido um AVC. 

Coloquei a mão no rosto, horrorizada.

– Eu não entendo. – Allen sussurra, com a expressão perdida nas emoções. – Ela estava ótima quando fui embora hoje cedo... Ela...

Ele parecia não saber como reagir.  

Sem pensar duas vezes, falei:

– Vá, Allen. Não sei porque está perdendo tempo me explicando. Vá!

E ele foi. Correndo.

Não consigo mais pensar em meus problemas depois daquilo. Só rezo baixinho para que tudo fique bem.

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