Capítulo 3 - Veteranos

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Mikhail assentiu apressadamente e virou-se para sua mãe:

- Temos que ir, mãe, estaremos seguros lá. Sei que estaremos.

A mãe de Mikhail ajeitou novamente a filha no colo, só agora conseguindo proferir dezenas de vezes as palavras "muitíssimo" e "obrigado" em um ciclo compulsivo enquanto lágrimas vertiam de seus olhos. A derradeira demonstração de gratidão tornou Alistar incapaz de esconder um meio sorriso enquanto observava Mikhail guiar sua mãe e irmãos para o caminho indicado.

Mas seus lábios enrijeceram uma vez mais, pois logo foi lembrado de que seu trabalho estava longe de acabar.

Sentiu a conhecida sensação de uma vibração na Corrente tentando contatá-lo. Malmente precisou concentrar-se para fazer com que sua própria vibração khórica adquirisse a mesma frequência. Naquele momento, estava conectado a outro ser vivo pela Corrente, compartilhando informações sensoriais com ele.

- Espero que já tenha terminado de bancar o herói, pois temos uma questão muito maior sobre nossas cabeças, Alistar! E essa cospe fogo!

Escutar aquela voz durante uma batalha era sempre reconfortante, não por que o amigo era aprazível de se ouvir, mas porque pelo menos fazia com que D'ark soubesse que o raza ainda estava vivo.

- Dekker! Você conseguiu entrar em Kendrat com os outros?

Dar'k vasculhava todas as direções com o olhar procurando pelo parceiro, mas, apesar de ser um ótimo moldador de combate, não era exatamente um arcanista para encontrar traços de energia com facilidade.

- Estou sobre um dos telhados próximos a você. Vou compartilhar minha visão para que me ache. Se prepare.

Subitamente, assim como Alistar estava compartilhando a audição de Dekker sobre suas próprias palavras, ele agora compartilhava a visão do companheiro sobreposta à sua, permitindo-o visualizar duas imagens simultaneamente: o que via, e o que Dekker enxergava.

Era necessário muito treino para não ficar desorientado nesse momento, mas Alistar havia dominado a arte da comunicação khórica há anos por se tratar de uma técnica amplamente utilizada em operações militares por toda Skyfell. Naquele momento, via uma imagem de si mesmo sendo observado de algum ponto mais alto. O observador definitivamente mirava seu lado direito. Portanto, guiou seus olhos amparado pelo ângulo da visão secundária até encontrar a fonte da imagem no topo de uma casa de dois andares.

Lá de cima, um raza batia uma continência escrachada para ele. Dekker encerrou o compartilhamento de sua visão, permitindo que Alistar se concentra-se melhor na figura do companheiro com seus próprios olhos. Assim como todos os raza, Dekker Spitfell não chegava a ter a metade da altura de um humano comum, apesar de que seu corpo lembrava um em todos os outros aspectos. Sua pele era clara, mas seus cabelos eram negros, longos e mau cuidados, sendo que um pequeno coque encimava o topo de sua cabeça prendendo uma porção das mechas. Sua barba era completamente falhada, por isso o raza a mantinha abaixo do comprimento de um palmo e prendia a porção mais longa, abaixo do queixo, em cilindros metálicos ornamentais, dividindo-a em dois tufos.

Trajava uma vestimenta da Legião Imperial feita especialmente para arcanistas: ao invés de proteções de couro ou metal, era composta apenas de um tecido negro adornado com traços brancos. Apesar de ser originalmente uma farda padrão, as mangas haviam sido retiradas pelo próprio Dekker, além disso, ele havia adicionado uma grande quantidade de penas negras no colarinho. O comprimento da peça superior fora mantido, formando uma espécie de túnica que chegava até seus joelhos, mas que permanecia aberta na frente, mantendo a fronte de seu tórax sempre à mostra. As calças negras terminavam dentro de pesadas botas de couro, prontas para as longas marchas da Legião.

Para seu alívio, ao analisar o amigo, o capitão teve certeza de que todas as manchas de sangue em suas roupas eram de dra'kul que ele havia matado pelo caminho.

- É bom vê-lo inteiro, amigo – Alistar proferiu, transmitindo a audição de suas próprias palavras por meio da comunicação khórica.

- Sou um instrumento do Império – Brincou Dekker. – Sou mais útil inteiro.

- Pois bem, vamos colocar isso em bom uso. Eu tenho um plano.

- Você sempre tem um plano. Qual é dessa vez, capitão?

- Vou matar o dragão. Preciso que o traga para perto de mim. Que o derrube.

- Certo... Definitivamente você não parou de bancar o herói! Isso é ridículo! Não se mata um dragão assim, só com força de vontade!

- Preciso da sua ajuda, Dekker. Podemos encerrar isso agora mesmo e salvar a cidade! Não é isso que viemos aqui fazer?

- A Syllari me contou que teve que te salvar em uma luta contra um único dra'kul durante o caminho para cá... E agora você quer enfrentar um dragão!? Qual é o seu problema!? – Spitfell gritou com toda força de seus pulmões, agitando os braços para demonstrar o tamanho de sua insatisfação com o superior.

- Em minha defesa, eu ainda tinha tempo para me salvar e sabia exatamente como fazer isso! Foi a Syllari que se adiantou!

Alistar e Dekker sentiram uma nova e conhecida vibração compartilhando da comunicação. Já era de se esperar, uma vez que o trio havia criado essa sintonia para se comunicar durante as missões de campanha. Syllari Nyxelis e Dekker Spitfell podiam ser meros subordinados hierárquicos da companhia de Alistar, mas estavam há tanto tempo juntos em meio a tantas batalhas que, na prática, trabalhavam como uma esquadra de combate, mesmo sabendo que isso contrariava vários protocolos da Legião.

- Para a minha defesa – Começou Syllari. – Tive que dar o melhor disparo da minha vida para salvar a sua! E sinceramente... É assim que me agradece!? Eu "me adiantei"!?

- Se as duas crianças já pararam de brigar – Irrompeu Dekker. – Gostaria de chamar a atenção para um problema muito maior e que está dando a meia volta em nossa direção nesse exato momento!

Alistar olhou mais uma vez para o dragão. Dekker estava certo. A fera retornava.

- Perfeito! – Disse o capitão. – Vai me ajudar ou não?

- "Perfeito"? É sério isso!? Dekker! – Gritava a elfa sem conseguir conter sua raiva e preocupação. – Não deixe que ele faça nada até chegar ai! Já estou a caminho!

O raza, já exaurido da discussão, suspirou massageando o espaço entre as sobrancelhas:

- Infelizmente Alistar tem razão. Não temos tempo... – Sabia que Syll iria argumentar, por isso fez questão de bloquear qualquer comunicação que provinha dela através da Corrente apenas para não se aborrecer ainda mais. Então, voltou-se para Alistar novamente. – Capitão, preciso deixar apenas uma coisa bem clara: hoje à noite, quando todos estiverem suando para enterrar seu corpo após seu colossal fracasso, eu estarei sentado confortavelmente bem longe de qualquer pá olhando todos trabalhar com a minha melhor cara de "eu disse".

- Se eu falhar, garanto que não sobrará um corpo para ser enterrado.

- Uau! Você é simplesmente um mestre em me fazer sentir-se melhor, não é!? – Gritou o raza em desaforo. Contudo, tornou sua atenção para o dragão se aproximando. – Prepare-se.

Sobre os telhados de Kendrat, o arcanista raza fechou os olhos e começou a acumular toda energia khórica que conseguia para liberá-la de uma única vez. Diferente de um mero moldador, arcanistas sabiam como se conectar melhor com a Corrente, drenando dela o Khorus com um impacto muito menor sobre seu corpo. Sua mente já trabalhava rapidamente buscando qual das opções de transformações energéticas escolheria para quando chegasse a hora de lançar seu ataque.

Respirou fundo. Esperou para que o dragão estivesse próximo o bastante. Abriu os olhos, fixando a visão em seu alvo.

E descarregou todo seu potencial khórico sobre a criatura.

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⏰ Last updated: Jan 11, 2017 ⏰

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Império de CinzasWhere stories live. Discover now