Capítulo 1 - Julie

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          - Shiii Julie!! Lembre-se quanto menos tentar se mover, menos irá doer.

          Meu Deus como aquela voz me causava repulsa, como me enojava, aquela seria a última vez que Rodrigo me tocaria, não estava mais disposta a ceder a seus caprichos, seus desejos. Tentei permanecer calada, sem sucesso, fiz um pequeno movimento, achei que ele não sentiria. Engano meu. Senti as tiras do chicote contra a minha pele, pensei em gritar, mas eu sabia das consequências, sabia que seria pior, então fechei os olhos e coloquei os pensamentos longe dali, mas infelizmente não consegui conter os soluços, que se tornaram cada vez mais altos.

‘         De repente senti chacoalhões, e uma voz irritante, mas que eu amava demais me chamando ao longe.

         - Ju, acorde, vamos Ju acorde!!

         Acordei sobressaltada e me deparei com cabelos castanhos ondulados, e aqueles olhos verdes que eu conhecia desde sempre, Catarina, ou simplesmente Caty era minha melhor amiga, acho que desde dentro da barriga de nossas mães, tanto que nascemos com um dia de diferença uma da outra. Levamos conosco a herança da amizade de nossas mães.

          - Que foi Caty? Já acordei, está tudo bem!!

         - Não venha me dizer que está tudo bem Ju, escutei seus soluços da cozinha, foi aquele pesadelo de novo não foi amiga? Sabe acho que você deveria voltar pra terapia, quando estava indo as seções esses pesadelos cessaram.

         Nunca consegui esconder nada da minha melhor amiga, Caty sabia tudo que passei com Rodrigo, sabia de cada detalhe que eu passei com ele, inclusive os mais íntimos, mas havia algo que eu não poderia contar, aqueles pesadelos nunca passaram, só amenizaram com a terapia, e eu me perguntava diariamente quando cessariam, apesar de dois anos terem se passado desde o ocorrido, eu nunca consegui esquecer, as feridas que ele me deixou ainda estavam ali e não sabia quando cicatrizariam. Ela prosseguiu.

         - Amiga, acho que você tem que esquecer o que aquele imbecil te fez, talvez um novo relacionamento, vida nova pede amores novos...

         Antes mesmo dela continuar com a mesma ladainha de sempre, tratei de mudar de assunto.

         - Caty, ainda falta muita coisa pra arrumar? Tô pensando em procurar um emprego hoje.

         - Não Ju, já ta quase tudo pronto, só estou esperando o moço pra instalar nossa TV, o resto acho que já está tudo nos devidos lugares.

      Caty e eu moramos juntas desde quando entramos pra faculdade, e nunca mais nos desgrudamos, antes morávamos numa cidadezinha do interior, e agora dez anos depois que fomos morar juntas, resolvemos nos aventurar na cidade grande, em busca de novos horizontes.  Para mim, publicitária,  não havia muita coisa a se fazer numa cidade tão pequena, assim como no caso de Caty, que era advogada e  exercia a profissão desde que saiu da faculdade, aliás, é “advogata”, uma linda advogada! Caty sempre trabalhou na empresa do seu pai. Tio Antônio era um dos melhores naqueles lados, resolvia tudo com rapidez  e Caty queria formar seu nome também, pra dar orgulho ao pai, mas não queria isso à sombra dele, por isso resolveu vir comigo quando eu disse que estava disposta a tentar a vida aqui.

            - E ai Ju, pensando em quê?

         Minha mente ainda estava no pesadelo, tratei de tirar as imagens da minha cabeça e voltei pra minha amiga, coloquei uma colher de cereal na boca e respondi:

           - Acho que entregarei uns currículos, se eu tiver sorte estarei contratada até o fim da próxima semana. Espero que queiram me contratar, já que me formei e nunca trabalhei no ramo.

         - Ju, se você quiser posso pedir que papai fale com um dos seus contatos e...

         Calei Caty no meio da frase, queria crescer por mim, claro que um empurrãozinho seria ótimo, mas eu queria meus próprios méritos, sim eu sei, pode parecer orgulho, tá eu admito, eu sou orgulhosa mesmo. Pronto falei.

       Trinta minutos depois lá estava eu, cabelos arrumados num coque elegante, graças a Deus que meu cabelo resolveu cooperar, organizar os fios cacheados era um problema que eu enfrentava todo dia, mas eu gostava deles assim, peguei um terninho de Caty, afinal eu trabalhava numa loja de fast food, nunca teria roupas sociais pra ir numa entrevista de emprego, apesar de ter mais seios que minha amiga, felizmente suas roupas me serviam. Dei mais uma olhada no espelho, peguei minha pasta com os documentos e sai, afinal já tinha duas entrevistas marcadas.

         Passei correndo pela cozinha, com Caty lavando a louça, disse tchau e escutei ela gritando um ‘Boa Sorte’ antes de sair pela porta.

         Aquela era a terceira vez que eu andaria pela cidade, morávamos num bairro perto do centro, portanto eu só tinha que pegar um ônibus, o nosso apartamento era confortável, tio Antônio fez questão de nos deixar bem instaladas e num bairro bom segundo ele.

         Pra variar, o ônibus estava cheio, também era manhã de uma segunda feira, todos estavam indo pro trabalho, mas por sorte consegui um lugar para sentar. Sentei ao lado de um homem, foi impossível não nota-lo, tinha 1,90cm, cabelos jogados e os olhos mais lindos que já vi, não pude deixar de notar o musculo de sua coxa que estava marcada na calça social. Corei, pedi licença, ele assentiu e me sentei.

        Eu estava nervosa, e era com tudo, não parava de pensar no pesadelo com Rodrigo, fiquei pensando se daria certo o emprego, e estava nervosa com aquele homem lindo sentado ao meu lado, acho que nunca ninguém havia me atraído daquela maneira, ele tinha um magnetismo incrível, algo que me puxava pra ele. Tratei de tirar esses pensamentos obscenos e pensar na entrevista e que eu tinha que me sair bem, precisava desse emprego, precisava ocupar a minha mente. Foi quando no meio do meu devaneio o ônibus fez uma curva, sei lá o que houve só sei que meio que cai em cima do gostosão.

         Sim eu sei, parece cena de livro né? Mas acredite não foi por querer, foi culpa do motorista, ou o anjo do cupido que estava ajudando.

           Foi quando escutei o som que fez a minha pele arrepiar

         - Esta tudo bem moça? Machucou?

         Fiquei tão sem ar com aquela voz, que só consegui movimentar a cabeça fazendo um sinal de sim e corei ( Julie, você já tem 28 anos, corar  na frente de um homem, por Deus né?). Ele se abaixou, pegou a minha pasta, que eu nem me lembrava que havia caído, sorriu e disse

         - Acho que está tudo aqui!

        Consegui balbuciar um ‘ Obrigada’, acho que saiu um obrigada, não conseguia parar de olhar aqueles olhos, e como a boca se movimentava, foi ai que olhei pra fora e vi que ali era o lugar de descer, me levantei, puxei a corda do ônibus pra parar e desci, e foi ai que tive a visão do paraíso o gostosão me olhou pela janela, sorriu e deu um leve aceno.

          Acho que morri e devo estar no céu nesse momento, um anjo sorriu pra mim.

Além da Submissão ( DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora