PRÓLOGO

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  Depois de anos, o rei sabia que era impossível adiar mais esse dia. Finalmente era chegada a hora de sua morte. No espelho, ele observava sua face enrugada pelo tempo e uma cicatriz que cortava-lhe o lábio superior, sem nenhum arrependimento sequer. Ele deixava para trás dois filhos, Felipe, o mais velho e herdeiro de todo reino, do castelo, da fortuna e da coroa, enquanto o mais novo, Ayrton, herdara apenas o terrível sacrifício pelo bem de todos os humanos. Essa obrigação vinha de um acordo feito a muito tempo entre humanos e titãs. Titãs eram criaturas fortes e impiedosas, chegando a medir incríveis dois metros e meio e que tinham a pele comparável a pedras vulcânicas. Ambos os lados estavam em guerra a tanto tempo, que ninguém ao menos sabia o motivo do confronto. Os titãs tinham a vantagem em força, já que eram criaturas com habilidades espantosas,  tinham vitória garantida contra os humanos. O seu tempo de vida era outra vantagem, podendo continuar vivos por eras. Mas os humanos não entregavam os os pontos e eram muito mais habilidosos no manejo de armas. E após  anos de guerra sangrenta, os reis tanto titã quanto humano morreram. E os novos líderes temendo o mesmo destino de seus antecessores, fizeram um tratado de paz. Porém, o novo rei titã guardava dentro de si um rancor pela morte do seu irmão mais novo durante a guerra, e por isso, pôs no tratado a seguinte emenda: A paz será mantida apenas pelo sacrifício do irmão mais novo do rei humano perante os titãs. E essa condição era obedientemente cumprida a cada geração de novos reis. Todas essas lembranças passavam em sua mente como um filme, ele ainda sentia a dor de ver sua irmã mais nova ser entregue nas mãos sujas daqueles patifes gigantes. Ele se lembrava perfeitamente do dia em que sua mãe entrou triste em seu quarto e deu a notícia de que ela estava grávida. A princípio ele não entendeu o porquê da tristeza e ficou muito feliz porque finalmente teria alguém para dividir os brinquedos, as broncas, os segredos e a vida. Mas aí seu pai entrou pela porta com um livro grande que parecia ser bem pesado. Não era um livro daqueles em que sua babá Elizete lia para ele todas as noites antes de dormir, nem daqueles grandes e entediantes que ele era obrigado a estudar com o mestre Jair, ele também não se lembrava de ter visto esse livro na biblioteca em nenhuma das suas muitas visitas ao cômodo que era o seu preferido no palácio. Antes que ele pudesse cavar mais fundo em suas memórias por lembranças com aquele misterioso livro seu pai se sentou ao seu lado ele contou uma história. Uma história antiga, uma história real, sobre guerras e um tratado. E foi aí que ele entendeu o porquê da tristeza de sua mãe. Então forte e impetuosamente uma saudade invade o seu peito. Saudade de alguém que ele não sabia o nome, o sexo, e muito menos a cor dos olhos. Ele queria muito protegê-lo. Mas o que ele poderia fazer? Ele era apenas um menino contra as gerações e gerações de submissão. Após mais alguns minutos completamente submerso em lembranças, ele escuta batidas em sua porta, a julgar pela forma petulante com que batiam quem quer que fosse, deveria estar batendo a algum tempo. Então apressadamente o rei chegou algumas lágrimas que teimaram em cair, e ordenou a entrada em seus aposentos, com sua voz firme habitual, escondendo qualquer sentimento aparente. Era Felipe, o rei já havia esquecido que tinha mandado chamá-lo, Erick sabia que já era tempo de passar seus últimos conselhos para o filho e contar segredos que guardou durante anos como rei, segredos que envolviam seu caçula.

A Lenda da Rosa - As crônicas dos AtosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora