Você é como nós

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Como o lobo gigante de tantas mitologias ou um dragão invencível, aquela pessoa que eu via diante de mim estava completamente além do meu alcance.

Os olhos diziam isso. Aqueles olhos estranhos que gritavam “morte”.

Mas então os olhos desapareceram atrás de vidro. Não. O certo seria dizer que foram escondidos. Escondidos pelo homem que os tinha.

— Eu sinto muito – ele disse. – Isso não deve ter sido muito confortável para você.

Só quando ele já estava com os óculos eu consegui ver mais nele do que o olhar. E só aí percebi algo de familiar naquele rosto, uma vaga similaridade com alguém, embora endurecido, mais experiente. Um rosto que havia visto sangue.

— Não se preocupe – o homem disse. – Eu não vou te tocar.

Eu tentei montar uma frase, só que nenhum som se formava direito. Ainda sentia como se tivesse sido sufocada até a morte.

Respira. Respira. Isso. Tudo bem.

— Que lugar é esse? – eu perguntei.

— Só uma loja de coisas velhas num subúrbio. Não é um lugar com que você deva se preocupar.

— Então por que eu estou aqui? Eu estava…

As lembranças vieram de uma vez, como uma onda gigante varrendo uma praia. Monstros, tiros, homens estranhos e aquela mulher. Eu tinha desmaiado. Certo. Desmaiado e agora estava naquele “lugar com o qual não devia me preocupar”.

— Não se force demais – o homem disse. – Você passou por muita coisa em um único dia. Tem bastante sorte de estar viva. Muita sorte.

— Acho que sim… mas você não me respondeu. Por que eu estou aqui?

— Te trouxeram aqui. Para te esconder.

— Quem trouxe?

— Você realmente conhece tantas pessoas irresponsáveis a ponto de se envolverem com terroristas para salvar alguém que nem é tão próximo?

Incômodo.

— Daniel – eu falei. – Foi ele, não foi? Nesse caso, você deve ser o pai dele.

— Então ele falou de mim. Gentil da parte dele. Quanto ele te contou?

— Pouco. Disse que você era um mago e que podia me ajudar a tentar entender o que está acontecendo.

— É o suficiente.

O homem de óculos levantou a tampa do balcão e veio até mim. Minhas pernas tremiam, minhas mãos queriam abrir a porta. Apertei os lados do pijama para me controlar. Ele parou na minha frente e ficou me encarando como se eu fosse algum objeto estranho. Me sentia dentro de um tomógrafo.

— Então… – eu disse. – Cadê o Daniel? Se ele me trouxe para cá, então ele deveria estar aqui.

— Na verdade, não. Ele te deixou aqui e foi embora. A essa hora, provavelmente deve estar na faculdade. Não se preocupe, ele vai vir aqui mais tarde.

— Como você sabe?

— Meu filho tem um hábito de trazer garotas estranhas para minha casa. Infelizmente ele é incapaz de ignorar uma mulher em apuros.

— Eu entendo.

Por alguma razão, sentia que aquilo estava certo. Alguém que não consegue dar as costas para um pedido de ajuda. Acho que era uma boa descrição. Mas, ainda assim…

Qual é a palavra?

Percebi que o homem ainda estava me olhando daquele jeito analítico. Eu estava num pijama muito grande sem usar um sutiã. Aquele olhar simplesmente não cabia. Incômodo. Era a sensação. Não conseguiria descrever como qualquer coisa mais que isso. Era estranho. Parecia haver algo escondido atrás daqueles olhos. Algo que não devia estar lá.

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