Caput Secundum (Cipriano)

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Mas eu não recusei, muito pelo contrário, o que deve me caracterizar como tão maluco quanto. Eu ao menos questionei se ela tinha certeza daquilo, apenas assenti, murmurando um "é claro" e indo até o armário pegar o kit de primeiros socorros, que eu sinceramente não sabia por que tinha ali, já que eu tinha o poder de me curar de qualquer ferimento.

Voltei a me aproximar dela então, sentando na beirada da banheira e afastando mais uma vez seus cabelos, agora molhados, de suas costas com cuidado. Analisei o ferimento, apertando um pouco meus lábios ao voltar a sentir aquela mesma agonia de antes e descendo uma de minhas mãos de seus ombros até a cicatriz aberta, tocando em volta e ouvindo uma exclamação de dor da parte dela.

- Desculpe! - murmurei, lhe lançando um sorriso fraco, então decidi que o máximo que eu poderia fazer para aliviar sua dor era tentar distraí-la. E foi por isso que resolvi puxar assunto com ela. Conversar era uma boa tática, o problema era que eu era péssimo nisso. - O que anjos caídos comem exatamente? Quer dizer... Você ficou todo esse tempo trancada lá na tumba sem comer nada ou? - minha voz acabou morrendo no meio da fala, já que eu consegui sentir minhas bochechas esquentarem. Ótimo jeito de distrair, Andrew! Perguntando exatamente coisas sobre a tumba! Pude ouvir uma risada baixa ecoar dos lábios dela e franzi o cenho, tentando esconder a irritação comigo mesmo.

- Como anjo caído agora eu estou na minha forma humana, assim como você, então eu me alimento das mesmas coisas que os humanos. E durante os anos que passei na tumba eu não senti nada, digamos que a fome também veio acumulada - percebo que sua fala tremeu um pouco enquanto ela explicava e passei a esponja delicadamente por suas costas, enxaguando a cicatriz para limpá-la bem de todo e qualquer vestígio de sujeira.

- Você gosta de comida mexicana? Tem um restaurante ótimo a poucas quadras daqui... Mais tarde posso levar você até lá. Acredite, você não vai querer experimentar minha culinária. Acho que nem arcanjos sobrevivem a ela - faço uma careta ao lembrar de minha inútil tentativa de fritar um simples ovo e acabo perdendo a noção de que talvez ela nem soubesse o que exatamente era comida mexicana. Mas Genevieve não deixou isso muito claro, porque apenas riu novamente, de um jeito adorável.

- Parece bem legal, Andrew... A comida mexicana, é claro. Do jeito que você tá falando, é melhor a gente evitar acidentes, não sei se eu sobrevivo a isso também - acabei então rindo com ela e larguei a esponja, pegando a agulha e encarando seu ferimento meio incerto, mas ao mesmo tempo tentando passar a ela a segurança de que eu sabia o que estava fazendo. Engoli em seco então e comecei a costurar a cicatriz. No exato momento em que a agulha perfurou seu ferimento, algumas gotas de sangue começaram a escorrer e ela apertou os lábios, soltando um grunhido baixo e contido que eu sabia que não demoraria muito tempo antes de virar gritos.

- Vai por mim, na primeira e única vez que tentei cozinhar eu consegui fazer com que um ovo frito ficasse com gosto de sola de sapato... Se bem que eu nunca comi sola de sapato antes, mas você entendeu. - depois que eu havia conseguido passar a linha pela primeira vez, foi ficando mais fácil e eu fazia aquilo o mais rápido possível para que ela não sofresse tanto.

Dessa vez, Genevieve não respondeu, apenas emitiu um som que lembrava uma risada agoniada e eu fiz a coisa mais tola que alguém poderia fazer numa situação como aquela. Eu me curvei um pouco e assoprei na direção de suas feridas enquanto eu mantinha minhas mãos trabalhando naquele tormento. Sabia que aquele tipo de atitude era bem típico dos humanos, já que eu havia presenciado aquela cena algumas vezes durante aquele tempo em que estava na Terra. Geralmente as mães faziam isso aos filhos quando esses se machucavam e era como mágica, eles sempre paravam de chorar, o que eu não entendia, mas jamais questionaria.

Ela não parou de gemer de dor, mas meu ato certamente havia lhe deixado surpresa, porque ela congelou por alguns segundos antes de voltar à sua postura de antes e agarrar a beirada da banheira com uma das mãos, apertando com força para controlar a dor.

Mortiferum ParadisoWhere stories live. Discover now