Bruna (1)

185 18 11
                                    

Sento-me no banco da varanda da casa onde eu nasci e vivo com meus pais até hoje. O banco tem almofadas e mantas para nos aconchegar.

Hoje está frio e chuvoso, propício para um chocolate quente com marshmallows que minha mãe fazia quando eu era criança. Parece que ela adivinhou meus pensamentos, pois trouxe uma xícara daquela delicia com pequenos marshmallows boiando no chocolate.

Estou distraída olhando para casa da esquina enquanto tomo o chocolate.

- Faz alguns dias que eu não o vejo.

Olho para minha mãe para entender sobre o que ela está falando e ela também está olhando para a mesma casa. Lembro-me que não vejo Pedro há quase 15 anos. Ele foi meu melhor amigo desde que o conheci, aos sete anos, quando entrei no colégio. Éramos inseparáveis.

Nossas casas eram de esquina. Da janela de meu quarto eu via o quarto dele e antes de dormir, íamos à janela para nos despedir.

Aos 12 anos, suas notas eram as melhores do colégio. E ele continuava meu melhor amigo, defendendo-me dos meninos e me ajudando com as matérias do colégio. Eu tinha várias amigas, mas quando precisava de um conselho, era a ele que recorria.

Foi num dia como hoje que o vi pela última vez. Eram as férias de julho do colégio. Eu estava sentada na varanda quando ele chegou de guarda-chuva e galochas azuis.

Era magrelo, seu cabelo castanho cacheado estava sempre bagunçado, usava óculos de aro grande, deixando seus olhos castanhos maiores e seus dentes, desalinhados, estavam com aparelho.

Ele não era bonito, mas seu coração, gigante. Estava sempre disposto a ajudar a senhora que morava na esquina com suas compras. Sua risada fazia-me querer rir com ele.

Pedro se sentou ao meu lado e não falou nada. Minha mãe apareceu na varanda trazendo uma bandeja com duas xícaras de chocolate e um prato com pequenos marshmallows brancos para colocar no chocolate. Ela coloca a bandeja na pequena mesa em frente ao banco onde estou sentada e olha para meu amigo.

- Pedro... Disse ela o abraçando e eu não entendi o porquê. - Pode contar comigo para o que você precisar.

- Obrigado, tia Ana. Pedro respondeu num fio de voz e só depois disso que percebi que ele estava triste.

Mamãe colocou a pequena mesa perto de nós e entregou uma xícara para cada um.

- Ah, faltou colocar os marshmallows, ela sorriu pegando as pequenas bolinhas que pareciam algodão e as jogou dentro do chocolate.

Observava o estranho comportamento de Pedro, que sempre fora falante. Ele estava olhando para dentro da xícara e suspirando me disse:

- Meus pais vão se separar.

Não disse nada naquele instante. Não saberia por onde começar. Nunca passara por uma situação dessas.

- Eu e minha mãe vamos morar com minha vó, mãe dela, explicou-me finalmente olhando para mim.

- E o colégio? Eu o questionei por saber que sua avó morava em outra cidade e como resposta, ele deu de ombros e tomou um pequeno gole do chocolate com os marshmallows já dissolvidos.

- Foi por isso que você veio? Para me contar?

- Também... Ele ficou em silêncio, olhando-me por algum tempo. Abriu a boca para falar alguma coisa, mas a fechou virando o rosto, ficando sem jeito. - Você é bonita e eu gosto de você.

- Também gosto de você. Você é meu melhor amigo

- Não... A-acho que não só como amigo, ele revelou com uma voz tão baixa que quase não consegui escutar. Ao entender o que ele tinha dito, comecei a rir. Aos doze anos aquilo parecia ser impossível e ele me olhou ofendido. - Só por que sou feio eu não posso gostar de você?

Depois dessa revelação comecei a rir descontroladamente. Ele se levantou do banco, largou a xícara na mesa e ficou parado na minha frente, com as mãos no bolso esperando eu parar de rir.

Para Pedro soltar a xícara de chocolate quente, eu deveria ter percebido que era sério. Como eu não parei de rir, ele, irritado, pegou seu guarda-chuva e foi embora correndo. E, apesar da chuva forte, ele não se importou de o abrir.

Passado algum tempo, depois que terminei de tomar meu chocolate quente, levantei-me do banco e encontrei um papel cuidadosamente dobrado. Exatamente no lugar onde Pedro ficara de pé. Reconheci a letra dele por fora: "De: Pedro. Para: Bruna."

Peguei o bilhete e desdobrei para ler. Ainda tenho o bilhete guardado, apesar de saber de cor o que ele dizia: "Querida Bruna. Eu gosto de você. Não só como amigo gosta de amiga. Descobri que gosto de você como namorado gosta de namorada. Desculpe por escrever isso. Mas não tenho coragem de te dizer. Assinado: P."

Na hora entendi o que aconteceu. Percebi que ele estava falando sério, abrindo seu coração para mim e não foi legal rir dele.

Ri do meu melhor amigo! E senti remorso por isso. Decidi que no dia seguinte, eu iria até a casa dele para pedir desculpas.

Mas fomos visitar minha vó, do outro lado da cidade e passamos o dia lá. Quando chegamos em casa, estava tarde e minha mãe não me deixou ir na casa de Pedro.

Levantei cedo na manhã seguinte, decidida a me desculpar. Bati à porta da casa de Pedro. Jonas, o pai dele, atendeu e estava se arrumando para ir trabalhar, mas me convidou para entrar. Perguntei pelo Pedro e, então, recebi a notícia mais triste de minha vida até ali: Pedro fora embora no dia anterior, com sua mãe. Já não morava mais ali.

- Ele não deixou nada para mim? Pergunto, me segurando para não chorar ali.

- Claro, Jonas respondeu e caminhou até a sala. Quando voltou, trouxe uma caixa pequena. - Ele deixou esta caixa aqui para você. Disse que você saberia o que era.

Fui para casa carregando aquela caixa, que parecia pesar uma tonelada naquele momento. Nela tinha uma camiseta minha, uns livros que eu emprestara para Pedro e nosso álbum de figurinhas. Esse álbum era mais dele do que meu. Pedro o adorava, mas o deixara para mim. Não aguentei e comecei a chorar. Entendi naquele momento que perdera meu melhor amigo para sempre.

Dois anos depois, Dona Isadora, mãe de Pedro, voltou para casa. Ao vê-la, corri até o portão, animada para encontrar com Pedro novamente. Mas ela dissera que Pedro decidiu ficar com a avó. Ele não queria mudar de colégio novamente, pois estava se preparando para um intercambio que faria em dois anos.

Depois disso, tive poucas notícias de Pedro. Apenas o que sua mãecontava, já que ele não era adepto das redes sociais e a que tinha, o acessoera restrito. Fiquei tentada a, muitas vezes, convidá-lo a ser meu amigo nessarede social. Mas a vergonha e o medo de ser ignorada falaram mais alto e nãotive coragem.

Meu melhor AmigoTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon