O Sabor da Morte

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— Stella...

Ela sorriu ao ouvi-lo sussurrar seu nome e isso o surpreendeu de novo. A jovem podia ouvi-lo também? Quando Stella deu um passo em sua direção, Bell teve certeza de que sim e isso o intrigava mais, pois poucos eram os humanos capazes disso.

Aquela era a primeira vez que Stella o via de tão perto. Em geral ele ficava nos prédios próximos ou no alto da torre da igreja, mas agora ela podia reparar naquela intrigante criatura de pele pálida, tão parecido com um humano e ainda assim tão diferente! Suas grandes asas pretas se assemelhavam a ônix, seus olhos brilhavam de forma sobrenatural e seus cabelos, curtos atrás e longos próximos às orelhas pontudas, possuíam um tom chumbo. Envolto naquele manto cor de trevas e com a enorme foice em sua mão direita, ele era como a personificação da morte, que estava ali para lhe tomar a vida.

— Veio me levar, enfim...

Bell nada disse, pois não sabia o que responder.

— Então hoje é o dia da minha morte – ela suspirou, mas não parecia com medo. Não havia sequer decepção em sua voz, só uma quase realização, o que o confundia.

— Por que não me teme? – havia várias perguntas, mas foi aquela que irrompeu de seus lábios sem sua permissão.

— Há meses você ronda a minha casa e eu sempre me perguntei quando viria tomar a minha vida. É o que faz, não é? – não houve resposta e Stella deu uma risadinha — Mas ter você por perto é bom, pois os outros demônios feios não se aproximam.

Bell quase sorriu com aquelas palavras... Quase. Ela era mesmo fascinante!

— Poderia me dizer seu nome antes de... – Stella desviou o olhar, respirando fundo — ... de me matar?

— Meu nome é Bell – sua voz saiu baixa e grave, a necessidade de respondê-la o vencendo.

— Bonito! – elogiou Stella, fechando os olhos, esperando que ele a matasse.

Embora ela não expressasse medo, Bell conseguia ouvir os batimentos acelerados de seu coração e perceber a respiração forte da jovem. Havia traços de ansiedade, temor e nervosismo, mas também coragem diante de um momento como aquele e isso mexia com sua essência! Antes de perceber o que fazia, ele já tocava o rosto dela com a mão esquerda, sentindo o leve tremor do corpo tão frágil... E quando aqueles olhos verdes o fitaram com curiosidade, Bell soube que nunca conseguiria deixá-la ir. Stella era encantadora demais!

— O que...?! – ela parou a pergunta ao perceber fios negros rodeando seu corpo como se fossem uma teia e um terror sem igual invadiu seu coração, pois aquilo não vinha de Bell, mas de outro demônio... um que mesmo a distância lhe causava náuseas.

Em um rápido movimento, Bell abriu suas asas, erguendo-se a pouco mais de um metro do chão, movendo sua foice habilmente, cortando as "teias" que tocavam o corpo de Stella, que caiu sentada no chão, olhando espantada para ele sem entender sua ação.

— Não deixarei que morra.

Bell voou ao redor dela, recolhendo os fios da morte e permitindo que os mesmos envolvessem seu corpo. Sabia o que estava fazendo e não se importava! Traria a morte dela para si... queimaria e vivenciaria aquela horrível experiência apenas para salvá-la e assim que percebeu o aumento do poder do outro demônio, que se intensificava nos fios sombrios, ele moveu a foice, cortando a si mesmo segundos antes de ser envolvo em chamas.

Stella gritou, encolhendo-se no chão com os braços cobrindo a cabeça, sentindo o calor do fogo que o consumia em velocidade impressionante. Então, de repente, tudo sumiu... O calor, a luz e a presença demoníaca de quem quer que tenha executado o ataque.

— BELL!!! – gritou Stella, procurando-o por todos os lados, mas não havia mais vestígios dele ou de outro demônio. Agora ela estava completamente sozinha!

ooo

Quinze dias haviam se passado e desde então Stella visitava o terraço no mesmo horário, esperando vê-lo... Esperando aceitar o que havia ocorrido. Pensava e repensava sobre todos os detalhes ainda frescos em sua memória e temia a conclusão que suas hipóteses a levava. Bell tomou para si sua morte e só de imaginar a dor que ele sentiu, tinha vontade de chorar!

Distraída, ela demorou alguns minutos para perceber a presença de dois demônios e sem pensar, olhou-os diretamente, piscando até se dar conta de que não devia ter feito isso. Demônios não gostavam de ser "descobertos" por humanos, por isso ela sempre agiu com cuidado, disfarçando seu conhecimento sobre a existência e posição deles, mas hoje foi descuidada... e eles não pareciam contentes com isso.

Stella deu um passo para trás quando os seres de aparência grotesca se aproximaram com sorrisos perversos, deixando claro suas intenções malévolas. Porém quando eles estavam a dois metros dela, seus corpos entraram em combustão, chamas negras os consumindo rapidamente até que sumiram.

— Eu disse que não te deixaria morrer.

Ao som daquela voz, ela se virou e se surpreendeu ao vê-lo. Stella se perguntou se era real, principalmente ao notá-lo diferente. Bell ainda era pálido, com olhos brilhantes e cabelos cinza, porém não havia mais a presença da foice, nem da tatuagem tribal que enfeitava seu braço e o mais intrigante, havia apenas uma asa negra.

— Bell... – ela se aproximou, querendo rir e chorar ao mesmo tempo.

— Estou aqui, Stella – ele sorriu, tocando-lhe o rosto, deslizando o indicador pelos lábios delicados, fascinado ao vê-la fechar os olhos.

— Não vai mesmo me matar? – perguntou em um suspiro.

— Não preciso. Sua essência já é minha!

— De fato...

Bell não deixou que ela terminasse de falar, selando seus lábios. Seus braços envolveram o corpo menor, vibrando em infinitas emoções, sabendo agora que eles estavam ligados. Não havia mais Senhor Infernal a obedecer... Existia apenas um demônio dotado de poderes desconhecidos pelos outros de sua raça e a origem deles estava na essência daquela jovem que se entregava completamente para alguém como ele, um demônio.




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