Capítulo 2

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Depois dos muros que circundava o castelo as planícies arenosas se estendiam a quilômetros de distância, uma terra morta, feita apenas de pedras e poeira. O céu, não possuía sol, lua ou estrelas. Ao contrário do azul normal, era todo colorido por tons avermelhados e roxeados que o faziam parecer doente. Não era uma bonita vista, era desolada na verdade. Mas sempre trazia paz para Adam. Como uma pessoa que não importa o quanto tenha uma casa horrível, se sente nela como um rei. Um lugar em que ela pode controlar tudo, ser um Deus. Era exatamente assim que Adam — ou como era conhecido por muitos, Astaroth — se sentia quando estava ali, em casa, no Inferno.
Adam não saberia dizer a quanto tempo estava ali, sentado à janela de seu quarto, observando as extensões de seu reino sem ver realmente alguma coisa. Ele estava daquele jeito desde a noite anterior; não conseguindo se concentrar, não conseguindo realmente prestar atenção à nada.
Ele deveria estar se preocupando com o que Liriel lhe disse. Deveria estar traçando um plano para descobrir, o quanto mais rápido, quem estava por trás dos sequestros e como achar, e proteger a garota que Liriel havia mencionado. Mas, em vez disso, ele não conseguia tirar da cabeça a garota corajosa da noite anterior.
Ela havia lhe despertado o interesse imediatamente quando havia falado. Aquele tom de voz firme e imponente, sem espaço para tremor ou hesitação, tinha o intrigado. Mas, quando ele estava cara a cara com ela, quando ele havia a empurrado contra a parede de tijolos e aproximado o rosto do dela a ponto de sentir a sua respiração, ele havia ficado hipnotizado com sua beleza. A garota não devia ter mais do que 20 anos, o cabelo dela era longo e negro, e quando os fios roçaram em seus dedos que estavam ao redor de seu pescoço, ele sentiu como eram macios. Os olhos, tão escuros quanto os cabelos, tinham uma luminosidade, um fogo queimando bem no fundo deles, que transparecia a força daquela menina. Ela era mais baixa do que ele e o corpo contra o dele era tão delicado e macio como uma boneca de porcelana, tão pequena e frágil, que o menor do toque poderia despedaça-la.
Esse pensamento o deixou ainda mais intrigado, como ela poderia ser tão contraditória! Fisicamente frágil como uma borboleta e em seu interior parecia possuir tanta força e determinação.
Mas o que realmente não saia de sua cabeça era a sua boca. Aqueles lábios delicados, o lábio inferior carnudo e avantajado. Lábios perfeitos para beijar. E por um momento, naquele beco mal iluminado, pressionando o corpo dele contra o dela, com a mão em volta do pescoço fino e delicado, ele só conseguia pensar em como queria beijá-la.
E então, ela havia lhe dado um chute.
Ele deveria ter a matado, era o que ele faria normalmente, era o que ele faria a qualquer um. Adam teria cortado a sua garganta e a deixaria sangrando naquele beco sujo, e depois ele voltaria para casa e teria uma ótima noite de sono, em que ele teria sonhos sobre rios de sangue e cadáveres boiando nele. Mas não, por algum motivo ele não conseguiu. E agora, Adam não conseguia parar de pensar em por que diabos ele não conseguiu matá-la.
Uma batida na porta do quarto o arrancou de seus devaneios, e o trouxe de volta a realidade.
— Entre. — Ele disse se virando na cadeira.
O quarto em que ele estava era grande, e escasso de mobília, havia apenas uma grande cama de dossel, uma escrivaninha ao lado da porta que estava repleta de papéis e a mesinha redonda a que ele estava sentado em frente à janela. O quarto, como todo o castelo, era feito de rochas; escuras e resistentes. E a porta — pela qual um homem alto vestido com um terno escuro, e com a expressão carrancuda havia acabado de passar. — Era feita de um carvalho; resistente e impenetrável.
— Senhor. — Disse o recém-chegado fazendo uma pequena reverência.
— Sim Pruslas.
Pruslas era o mais leal ajudante de Adam. Era um demônio calado, que não sabia o que era sorrir. Não era uma companhia muito agradável, mas era submisso a Adam, e isso era tudo o que ele necessitava. Além disso, ele era um cara com uma grande sede de sangue e com um brilho perverso sempre presente em seus olhos, e isso, era algo que Adam apreciava.
— Senhor Astaroth, um mensageiro chegou a poucos minutos, e trouxe lhe isto. — Pruslas colocou um envelope na mesinha em frente a ele.
Adam não gostava do seu nome verdadeiro. Sempre que era chamado de Astaroth ele era inundado por memórias indesejadas, e transportado para um tempo em que ele era outra pessoa e para um passado cheio de cicatrizes. Cicatrizes que ele desejava esquecer. Então a milênios, decidido a deixar o passado no passado, ele mudou seu nome para Adam. Mas velhos hábitos não morrem. Várias pessoas ainda insistiam em chama-lo pelo nome a muito abandonado, geralmente era algo que ele não aceitava, mas ele abriu uma exceção para o ajudante leal. Para alguém antigo e com modos arcaicos como Pruslas, era difícil se modernizar.
— Mensageiro? — perguntou franzindo o cenho.
— Um mensageiro do céu, meu senhor. — Respondeu Pruslas torcendo o nariz em desgosto.
— Há sim. — Disse pegando o envelope e abrindo o selo. — Deve ser de Liriel.
— Se me permite senhor, por que está fazendo negócios com esse tipo de criatura? — perguntou, como se para ele fosse a mesma coisa de um humano negociar com larvas.
— Às vezes somos obrigados a fazer coisas desagradáveis Pruslas. — Disse simplesmente. Em seguida o dispensou com um aceno de mão.
Depois de Pruslas já ter se retirado, Adam retirou os papéis do envelope e olhou a primeira folha. Era um dossiê. A primeira página continha nome, endereço, todos os detalhes sobre uma garota. As informações sobre a filha de Miguel, Adam percebeu.
Ali havia várias informações detalhadas, como nome, idade, altura, características, ocupações, endereço... tudo o que ele precisava saber para encontrá-la.
Adam ficava mais e mais irritado a cada virar das páginas. Agora ele, o governante do inferno, teria que virar baba. Ele foi folheando as páginas até chegar na última e congelou enquanto fitava a folha com olhos arregalados. Ali, na última folha do dossiê, estava uma foto. Uma foto de uma garota de cabelos e olhos negros e com uma boca perfeita.
— É ela! — exclamou com um suspiro.

O Anjo InfernalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora