Não é muito o que tenho...

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Naquela época, a Galileia não passava por uma fase exatamente favorável, já que a falta de recursos e, especialmente, a falta de fé da maioria era o que definia as condições gerais da região. Apesar disso, a esperança de que um novo tempo se aproximava começava a queimar nos corações daqueles que criam nas promessas concedidas há muito através dos profetas. Isso se dava pelo que ouviam falar sobre o homem que arrastava multidões atrás de si e operava grandes sinais sobre os enfermos e aflitos. Aquelas pessoas nunca haviam presenciado milagres como aqueles e era impossível ficar alheio ao que acontecia onde quer que o filho do carpinteiro estivesse.

Noah ouvira falar que não tardaria para que ele passasse por ali e seu espírito se animou sobremaneira. Aos quatorze anos, embora não possuísse um físico avantajado, ele já tinha idade suficiente para ocupar-se ora ajudando seu pai, Abner, nos barcos de pesca, ora sua mãe, Quésia, com seus muitos afazeres domésticos. Noah crescera ouvindo que sua mãe teve complicações durante seu parto e jamais poderia ter outros filhos, mas fora surpreendido quando, há alguns meses, Quésia dera à luz uma garotinha pequena e barulhenta que recebeu o nome de Dâmaris. Sua mãe passava agora a maior parte do tempo dispensando cuidados à filha mais nova e Noah precisou aprender um pouco mais acerca de cada uma das tarefas que Quésia desempenhava anteriormente, seja cozinhando para a família ou oferecendo serviços de costura para garantir que não passassem por dificuldades financeiras.

Naquele dia, Abner saiu cedo como de costume para pescar e Noah ficou pelo caminho para retirar água em um dos poços, não muito distante de onde moravam. Ao ouvir que Jesus e seus doze discípulos haviam tomado um barco e partido rumo a Betsaida, alegrou-se com a possibilidade de enfim poder ouvir de perto seus ensinamentos. Ele soube que alguns viram a partida e a notícia logo se espalhou, de forma que multidões vinham à cidade de todas as partes. Em seu coração, nasceu um desejo que pareceria bobo aos olhos de qualquer um, mas nada o faria desistir daquele seu mais novo objetivo: preparar uma refeição para oferecer àquele que ele ansiava mais que tudo encontrar pessoalmente, o nazareno que falava sobre a chegada do Reino de Deus e operava sinais e maravilhas por onde passava. Noah tinha convicção de que aquele encontro mudaria sua vida para sempre, mesmo que não entendesse exatamente como isso aconteceria. Ele correu para encontrar o pai no local onde pescava, querendo mais do que nunca ser bem sucedido naquela empreitada. Enquanto lançava sua rede ao mar, o menino orava pedindo a Deus que o abençoasse, pois ele queria entregar a Jesus algo que fosse de excelência. Sobretudo, aquela definitivamente parecia ser sua pior pescaria.

- Você parece agitado, desse jeito só faz espantar todos os peixes que poderiam querer se aproximar. – Abner reclamou quando o rapaz puxou sua rede de um jeito estabanado mais uma vez.

- Não era para ser assim, logo hoje que eu preciso sair daqui com um bom carregamento. – Noah lamentou.

- O que há de especial nesse dia?

- Vou me encontrar com Jesus e desejo oferecer uma refeição a ele.

O pai deu uma risada zombeteira como se tivesse ouvido um grande absurdo.

- Achas mesmo que conseguirá arrancá-lo do meio da multidão que o segue para que vá até nossa casa comer? Não perca seu tempo.

- Mesmo que eu precise levar até ele o que eu tiver preparado, sinto em meu coração que meu trabalho não será em vão.

- Ah, filho, não se arrisques a fazer isso. Se te encontram no meio do povo com uma refeição, não chegarás nem à metade do seu caminho, pois será saqueado. Sabes que há pessoas que não se achegam a um bom prato há tempos. Há necessitados e esfomeados por toda essa banda e não permitirão que um menino franzino como você chegue até Jesus e seus discípulos.

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