Capítulo 1

5K 358 336
                                    

Em um domingo de céu cinza e vento frio o sino da igreja convidava os moradores da vila Monticiano para a missa matinal. Crianças risonhas corriam enquanto seus pais tentavam se manter aquecidos naquele dia rigoroso de outono. Quando o sino tocou pela última vez, todos do vilarejo estavam dentro da capela. Alguns sentados, outros em pé, mas invariavelmente todos estavam lá. O padre iniciou a missa, virou as costas para o povo e como de costume, leu as escrituras sagradas em latim. Também como de costume, ninguém entendia nada, exceto Allegra Bellini, que havia estudado a língua quando ainda era rica. Allegra era como qualquer outra mulher de Monticiano, fartos cabelos pretos, olhos castanhos, lábios grossos, nariz fino, alta e robusta. No entanto, todos da aldeia sabiam que era ela, pois sua família era uma das mais abastadas de toda a região da Toscana, porém caiu em desgraça por causa do vício de seu pai em apostas.

Ela compreendia tudo que era dito pelo padre e levava uma vida regrada segundo os costumes da Santa Igreja Católica mas em seu íntimo sabia que não conseguia acreditar em tudo aquilo. Se perguntava porque a mulher deveria ser submissa ao homem, se foram todos feitos pelo mesmo Deus. Porque a vida deveria ser triste e penitente para que alguém possa adentrar o reino dos céus. Allegra em seus 24 anos acumulava questões em seu peito pois sabia que se ousasse questionar a Igreja em voz alta, seria considerada uma herege.

Uma das causas de suas dúvidas era o fato de, entre outras coisas, saber que o padre da vila, Lorenzo, mantinha encontros íntimos com mulheres casadas em segredo. Ainda assim, nas ruas afirmava ser um homem santo. Ora que espécie de homem santo era esse que contraria as leis de seu próprio Deus? Se ele não as segue piamente porque ela deveria seguir o que ele dizia? Fez essa pergunta à sua mãe, Donatella, quando as duas estavam sozinhas na cozinha, à qual esta respondeu:

- Devemos escutá-lo porque ele é um homem de deus e até ele pode falhar as vezes. Não cabe á nós julgar ninguém pois somos apenas mulheres, não sabemos das coisas do mundo e já nascemos em pecado.

E ao proferir essas palavras fez o sinal da cruz, se ajoelhou e começou a rezar. Allegra não sentia vontade de acompanhar sua mãe em oração, pois mal conseguia controlar a raiva que sentia quando ouvia que mulheres sabem menos, simplesmente por serem mulheres.

Saindo de seu devaneio, ainda com expressão de ressentimento em sua face. Ao olhar em volta percebeu que todos na igreja estavam ajoelhados e o padre a fitava descontente. Ela então se ajoelhou e obedientemente rezou.


* * *


Ao término da missa todos se encontraram para conversar e almoçar nas casas de amigos mais próximos. Allegra estava impassível enquanto ouvia a conversa tediosa de seus pais com outras famílias. Não podia ir embora ou andar sozinha para procurar suas amigas pois ainda era solteira ,e assim deveria estar na companhia de alguém mais velho e respeitado na vila, preferencialmente, seu pai.

Repentinamente sentiu uma mão tocar-lhe o ombro e ao virar-se viu sua velha amiga Beatrice. As duas se abraçaram longamente pois Bea havia se casado há alguns meses e desde então acompanhava seu marido, comerciante, em suas viagens. Allegra sempre se entristecia com sua partida, mas a felicidade de seu retorno era o que a tirava da monotonia de seus dias.

Beatrice em alguns meses já havia conhecido lugares incríveis com montanhas brancas que tocavam os céus e também o brilho estonteantemente azul do mar. Suas histórias sempre faziam Allegra sorrir e sonhar durante semanas. Mas dessa vez seria diferente.

A Fogueira Da BruxaWhere stories live. Discover now