Regra #1 - Evite o apego

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Oito anos depois

Ter a vida de alguém em suas mãos. Acho que não pode existir nada que seja mais desesperador do que isso. Uma fraqueza, um descuido, e tudo se acaba. Pela segunda vez, eu entendia as pessoas que dizem que a vida é algo muito frágil.

E a vida dessa menina estava, literalmente, em minhas mãos. Na mão que segurava, pelo fino braço, o corpo que pendia da cobertura de um prédio de dezoito andares. A chuva fina e fria que caía tornava nossas peles escorregadias, e tudo ainda mais arriscado.

Meu nome é Rebeca, tenho dezenove anos, e isso é tudo o que você precisa saber a meu respeito. Certo distanciamento é importante, talvez até essencial, para evitar o apego. Porque essa é a lei número um da minha vida: quando me apego, as pessoas vão embora. E, já que é assim, eu prefiro deixá-las ir sem aproximação. É mais prático, além de indolor.

Porém, resolvi abrir uma exceção para contar os acontecimentos das últimas semanas. Afinal, você, que me encontrou assim, talvez tenha alguma curiosidade em saber como tudo chegou a esse ponto.

Bem, acho que o início da série de acontecimentos que culminou nesse ponto meio desesperador da minha vida se deu em uma tarde de maio. E, quem diria, eu estava apenas me divertindo, fazendo uma das coisas que mais gostava: atendendo — de forma ilegal — a um paciente em um consultório de Psicologia.

Aquela era uma brincadeira que nunca perdia a graça. Ao menos para mim, claro. É óbvio que aquele senhor cinquentão não gostaria nem um pouco de saber que estava sendo atendido por uma falsa profissional. Mas, também, puro descuido dele. Se tivesse sido um pouco mais atento, perceberia que eu sou jovem demais para ser formada em qualquer coisa. Aos dezenove anos, eu tinha acabado de entrar na faculdade, ainda cursava o primeiro ano. Se ele tinha me achado com cara de velha, foi bem feito para ele, ter que passar cinquenta minutos contando a vida para uma caloura de Psicologia.

Quando o tempo da suposta sessão acabou e o velho foi embora, acomodei-me confortavelmente na cadeira da verdadeira psicóloga e pensei em pegar uma revista para me distrair, mas não deu tempo. Logo a porta se abriu. E ali, toda embecada com um charmoso e caro terninho salmão, a dona do consultório me encarava com uma expressão nada amigável.

— Você demorou! — Fiz a maior cara de inocente que consegui, mas não aguentei e logo comecei a rir.

A doutora Laura, no entanto, não achou a menor graça. Muito pelo contrário, ela pareceu meio irritada em me ver ali. Não pela minha presença, mas por eu ter atendido indevidamente a um de seus pacientes. Fechando a porta, ela adentrou ao consultório e sentou-se no sofá. Então, pôs-se a me encarar e perguntou, notavelmente controlando-se para não gritar:

— Quando é que você vai tomar jeito?

Sabia que era uma pergunta retórica e, por isso mesmo, não me preocupei em responder. E sabia, também, que era apenas o início de um sermão. Dito e feito: Laura começou a falar coisas nas quais eu não fiz questão de prestar a mais remota atenção.

Aos vinte e nove anos, ela era um exemplo de meta para qualquer jovem: tinha um consultório enorme, só dela; morava em um lindo apartamento em Ipanema, de cara para o mar; era casada com um cara bonitão e igualmente cheio da grana; ah, e era super bonita também. Bem morena e dona de um cabelão com os cachos perfeitos e mais brilhantes do que os dessas modelos de comercial de xampu.

Mas, talvez, o mais importante a se falar sobre a Laura era o fato de ela ser a grande exceção da minha vida. Era a pessoa mais próxima a mim, era toda a família que eu tinha. E ainda não havia me deixado. Não que, às vezes, eu não sentisse medo disso.

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