— Estou com fome e atrasada, mãe!

— Quando você não está com fome? Come e eu te dou uma carona. — Deixou o bolo em cima da bancada e observou a cara de desespero da filha. — Aonde você vai às 06h00 da manhã? – Bárbara não conseguiu se conter, precisava perguntar.

— Antes fosse 06h00. Deve ser umas 06h30 agora. Preciso estar na faculdade até 07h15, tenho prova na primeira aula. – Mesmo achando graça no jeito exasperado dela, Bárbara não podia fingir que não se preocupava com a ansiedade da filha.

— Ah, querida... Você está muito estressada. Ainda são 06h00. Come seu bolo com calma. Não devia trabalhar tanto, é muito nova para ficar ansiosa desse jeito. – Sophie não conseguia identificar se sua mãe estava de gozação ou não. Decidiu conferir.

— Droga! – Exclamou, tirando o celular do bolso para entender a tranquilidade de sua mãe. — Coloquei o celular para despertar às 05h30 para não me atrasar e estou agindo como se estivesse atrasada. – A risada de sua mãe não diminuiu sua indignação. Sophie então começou a contar um dos motivos por estar daquele jeito. — Ultimamente só aparecem pessoas querendo vender coisas inúteis e ficam bravas por eu não conseguir compradores. Mas como explicar isso sem dizer que os produtos são inúteis? – Sua mãe mal conseguia acompanhar o que a filha dizia, ela intercalava entre reclamar e mastigar. — E olha que tem pessoas querendo comprar e vender de tudo na internet. – Revirou os olhos igual seu pai.

— Se quiser parar de trabalhar... Você sabe que podemos cuidar de tudo e você pode tirar férias depois de seis anos. O que acha? – Sugeriu, mas com cautela, conhecia bem demais sua cria.

— Acabei de entrar na faculdade, estou tirando minha habilitação, não quero ser sustentada e não posso parar agora, mãe. – Bufou. Odiava pensar em se tornar um estorvo para seus pais, já achava que morar com eles, apesar de conveniente, era errado. Continuava ali porque gostava de estar perto deles. — Já recebi essa proposta antes. Gosto do que faço, sou boa nisso. Só quero reclamar de vez em quando. Lembrando que, vocês não me deixam pagar por nada. – Outra coisa que a irritava, uma vez chegou ao cúmulo de pegar as contas da casa escondida. Pagou, mas levou uma bronca depois. — É bom ter o meu dinheiro e minha liberdade. Foram vocês que me ensinaram o real valor do dinheiro e o que significa ser responsável, agora não podem reclamar!

— Isso é verdade, mas não sei se te ensinamos na época certa. Afinal, você trabalha desde os treze anos, estuda muito e sai pouco. Certo que quando você sai não tem hora para voltar, sabe o que tem que fazer e tudo mais... – Bárbara soltou um suspiro longo ao pensar na confiança que sempre depositou em Sophie. — A verdade, minha filha, é que você age como uma velha e tem apenas 18 anos.

— Obrigada, Dona Bárbara! Velha... – Fez uma careta ao repetir a palavra. — Era só o que estava faltando, depois de precoce, CDF e isolada, agora sou velha. Isso é perfeito! Definiu bem sua filha.

— Não seja dramática! Eu só quero reclamar de vez em quando. – repetiu a frase, em tom sarcástico. — Posso?

— Só se sua filha precoce, CDF, isolada, velha e dramática... – Apontou para si e riu. — Viu? Estou evoluindo... Puder reclamar também!

— Pode. – Bárbara indicou o bolo com um olhar. — Agora come para ocupar a boca.

Sophie voltou a comer, agora mais relaxada e aproveitando para fazer valer o título de dramática, abrindo a boca com exagero. As duas começaram a rir.

Bárbara e Rogério não precisavam se preocupar com a filha, mas agiam como pais agiriam. Aos 38 anos, Bárbara tinha uma filha quase tão responsável quanto ela, com apenas algumas escorregadas naturais da idade.

Manipuladores do Futuro (1)Where stories live. Discover now