|01|

117 19 4
                                    

A vida que escolhi
Melissa


Milhões de motivos eram claros para que fugir se tornasse a única opção, mas eu devia me lembrar que sendo agora uma mulher eu não poderia regredir a ser uma menina: se eu estava ali com um único objetivo, no final, eu diria com toda certeza "aceito". Aquele tapete vermelho não era o maior medo e nem as pessoas se tornaram monstros, mas o futuro que eu mal podia enxergar perturbava minha mente. Porém, mesmo achando que talvez não fosse a melhor escolha, percebi ao ouvir as palavras certas que aquilo era o melhor a se fazer para ser feliz novamente; ter finalmente uma família.

Foi uma cena incrível, o tapete vermelho recebia as leves pisadas dos meus pés, a cauda do vestido arrastava entre as pétalas vermelhas e rosa chá, meu coração estava acelerado ao ponto de sair pela boca, do lado direito diversas pessoas que eu nunca havia visto em toda minha vida, do lado esquerdo as pessoas que eram as mais importantes para mim, por fim, ao lado do noivo havia os três casais de testemunha. Era bom ter todos por perto em um dos dias mais especiais da minha vida.

Estava tudo lindo, mas a organização era bem sofisticada, música clássica, marcha nupcial, poucos convidados, poucos padrinhos e madrinhas, muita comida, nenhuma agitação ou algo fora do lugar. Talvez as diferenças de classes se tornariam um obstáculo, mas quando estamos apaixonados não conseguimos pensar que algo vai dar errado, só queremos pensar que tudo vai dar certo; gostamos de nos iludir muitas vezes.

Era difícil olhar para trás e ter que dizer adeus a rebeldia, era divertido infringir as regras impostas por nossos responsáveis. Era bom ser uma jovem sem compromissos ou responsabilidades, então seria eu enfrentando a vida com outros olhos.

Passou tudo tão rápido... Anos atrás eu estaria dormindo na mesa da sala de aula ou tirando fotos seguidas e postando em qualquer rede social, escrevendo poemas nas últimas folhas do caderno, se apaixonando ou sofrendo por paixão... Agora é trabalho, trabalho, trabalho somado a vida matrimonial.

Já desconheço o sabor do álcool e quase nem lembro dos efeitos que me causa, faz tempo que meus olhos não contemplam um show de luzes, até meus ouvidos não mais aguentam o som alto de uma música boa. Confusão? Só na vida das pessoa a quem devo meus conselhos, minha vida é uma completa organização ou pelo menos parece ser.

Viajamos sempre quando temos oportunidade, tenho tudo do bom e do melhor, casa grande, um esposo competente, emprego e muito dinheiro. É... realmente uma vida perfeita desejada por qualquer pessoa, mas sempre sinto que algo ainda falta dentro de mim.

Como descrever o homem que escolhi para ser meu? Teu olhar é sempre sério, agora um homem amadurecido, nunca cita a palavra diversão, está sempre cansado e exausto do serviço, sempre me da um colar de presente a cada data comemorativa, está sempre me proibindo de interferir ou ajudar as empregadas, folga todas as sextas para ficar ocupado em seu escritório, nunca me permite tocar no assunto de ter filhos, me quer sempre cem por cento ao seu dispor, exige que eu me vista como uma madame de primeira classe, às vezes, me mostra como um troféu quando faz uma imagem de quem nunca fui e nunca serei... Ele gosta de me chamar de amor, mas diz "eu te amo" só quando quer me ter literalmente em seus braços, isso poucas vezes depois que casamos. Então se eu colocasse uma gíria para essa situação diria que: — Estou na seca.

Talvez se meus caminhos fossem outros, eu estaria presa a um passado cheio de confusões e conflitos, ainda estaria morando com os meus pais e não me permitindo amar novamente, tendo sempre a mente e o coração fechado, na esperança de que os desejos antigos se tornassem finalmente uma realidade. Embora houvesse muitas alternativas para o meu futuro, diante a procrastinação em que eu me encontrava, eu não iria tão longe se não estivesse aqui.

Se a saudade me corrói? Ela tenta me matar todos os dias e de noite ela me sufoca. Mas devo ficar calada, manter tudo em segredo e manter o sorriso; até porque quem deveria me decifrar não entende meus sinais: Só basta sorrir e ninguém nunca saberá o que sinto de verdade.

Fui afastada da minha sociedade, tive que esquecer alguns pontos da minha cultura e praticamente aderir outra doutrina. Devo ser sempre a melhor em tudo, o que aumentou meu nível de competitividade, mas mesmo que acreditem que sou uma nova pessoa nunca deixarei de ser aquela menina sonhadora que se ilude com as coisas da vida.

Já me disseram: "— Grite quando não aguentar mais". Eu apenas respondi com silêncio... Nem sei qual é a hora certa para gritar, mas firme e forte sigo sem vacilar ou tropeçar em obstáculos que gostam de me testar. Vivo em constante teste.

Onde irei parar? Nunca vou parar, estarei sempre andando mesmo que ainda não encontrei rumo algum ou qualquer outro tipo de objetivo. Talvez o incentivo que tenho para caminhar é ter a esperança de me encontrar novamente.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Dec 12, 2022 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

1 Metro e 80 de SaudadeWhere stories live. Discover now