- Não... não estou - disse ele, tirando a mão da cabeça. Olhando-se novamente no espelho, examinou o corte que ela estava fazendo. - Não acha que meu cabelo está um pouco desigual?

- Onde?

- Aqui. - Ele apontou. - Esta costeleta ficou muito curta.

Andrea piscou duas vezes e então moveu lentamente a sua cabeça de um lado para o outro.

- Acho que o espelho está deformado.

- O espelho?

Andrea pôs uma das mãos no ombro dele e sorriu.

- Eu acho que você está lindo, meu bem.

- Acha?

Do outro lado da sala, perto da janela, Mabel tirou os olhos de sua revista e notou que o homem estava praticamente se derretendo. balançou a cabeça enquanto Andrea voltava a cortar o cabelo dele. Um instante depois, sentindo-se mais tranquilo, o homem se aprumou na cadeira.

- Olhe, tenho ingressos para o show de Faith Hill em Raleigh, daqui a algumas semanas - disse ele. - Você gostaria de ir?

Infelizmente os pensamentos de Andrea já tinham voltado para Richard e Julie. Mabel lhe dissera que eles iriam a Slocum House! Embora Andrea nunca tivesse ido lá, sabia que era um restaurante elegante, o tipo de lugar com candelabros na mesa. E, se você precisasse, eles penduravam seu casaco em uma sala especial. E haviam toalhas de pano, não aquelas de plástico baratas, quadriculadas de vermelho e branco. Os homens com quem saía nunca a tinha levado  a lugares assim. Era provável que nem soubessem onde ficavam.

- Sinto muito, mas não posso -  respondeu ela automaticamente.

Conhecendo Richard (embora ela não soubesse nada a seu respeito, claro), ele também devia ter enviado flores. Talvez até rosas! Andrea viu isso com clareza em sua mente. Porque Julie conseguia todos os homens bons?

- Ah - disse seu cliente.

O modo como ele falou a trouxe de volta para o presente.

- O que disse? - perguntou.

-  Nada. Eu só disse "ah".

Andrea não tinha a menor ideia de sobre o que ele estava falando. Na dúvida, sorriu. Um momento depois, o home começou a se derreter de novo.

Em seu canto, Mabel conteve uma risada.

                                                                ***

Mabel viu Julie passar pela porta um minuto depois de Singer entrar. Ia cumprimentá-la quando Andrea falou:

- Richard telefonou. - Ela não se deu o trabalho de esconder a irritação em sua voz.

Estava retocando suas unhas perfeitas com vigor, como se tentasse tirar insetos das pontas.

- o que ele queria? - perguntou Julie.

- Não perguntei - disparou Andrea. - Não sou sua secretária, sabe?

Mabel balançou a cabeça, como se dizendo a Julie para não ligar para aquilo. 

Com 63 anos, Mabel era uma das melhores amigas de Julie -  e o fato de ser tia de Jim era quase irrelevante. Onze anos antes ela lhe dera um emprego e um lugar para ficar e Julie jamais se esqueceria disso. Mas onze anos era tempo suficiente para saber que gostaria daquela mulher mesmo se nada disso tivesse acontecido.

Julie não se importava com o fato de Mabel ser um pouco excêntrica. Durante seu tempo ali, aprendera que quase todos na cidade eram meio pitorescos. Mas Mabel era excêntrica e com E maiúsculo, especialmente naquela cidade conservadora, e não só porque tinha tinha algumas esquisitices inócuas. Mabel era diferente das outras pessoas da cidade e, como quase todas elas, sabia disso. Nunca se casara, apesar de ter recebido três propostas diferentes, e só isso já a desqualificava para vários clubes e grupos de pessoas de sua faixa etária. Mas, mesmo se você ignorasse suas idiossincrasias - ir de moto para o salão mesmo com chuva, dar preferências as roupas com poás e se referir a sua coleção de lembranças de Elvis como "obras de arte" -, Mabel ainda seria considerada totalmente estranha por algo que fizera quase trinta anos antes.

O GuardiãoWhere stories live. Discover now