CATORZE - GRACE/KESABEL/GRACE

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GRACE

Como se não fosse o suficiente, meu peito estava inquieto devido aquela sensação de estar sendo seguida. A todo momento olhava para trás, porém não havia nada. Absolutamente nada.
Maldita mania de perseguição.

Mas, naquele instante em especial, essa sensação estava me corroendo de uma maneira violenta e voraz. E, desta vez, minha visão era ofuscada por vultos negros se materializando no meu campo de visão e desparecendo.
Haviam se passado horas desde a última vez que vi Sky. E bem lá dentro, eu sentia uma falta anormal, tão intensamente que doía. Saudade do diabo... quem diria, não é, Grace Embry?
Não costumava assumir as coisas, mas não tinha como negar que eu nutria um sentimento que ia MUITO além que uma simples afeição por ele.

Depois de sair de casa naquela noite, segui meu caminho por aquela rua repleta de enormes árvores que formavam uma penumbra maior do que a causada pela cálida noite sem luar.
Usualmente, aquela rua era movimentada, porém, já se passavam das onze da noite, e o único sinal de vida era um homem saindo para trabalhar em um furgão branco seguindo para a cidade vizinha. O ar era maçante e pesado. Parecia que a alegria tinha se dissipado e eu me sentia apenas mais um no meio de toda matéria presente ali.
Um desconforto bateu e abalou meu corpo.
Parecia que eu estava sendo pressionada para baixo por uma força maior e tenebrosa. Uma pressão que ia além de sentir que alguém estava me seguindo.
Eu sabia que algo estava.

Arrisquei-me a olhar para trás mais uma vez. Então eu a vi.
A loira trajada em um vestido carmesim de gala, dona de um sorriso sádico e manchado por algo escuro mancava em minha direção. Seu olhar brilhava com um tipo de loucura demoníaca e assustadora.
Olhei-a mais atentamente, aonde deveriam ser pernas normais eram patas. Patas de cabra, banhadas em ouro. Patas douradas.
Por que não estou correndo? Por que estou paralisada?
Ela estica as mãos e suas unhas formam garras.
Arranhando o chão em minha direção, não me dei ao luxo de pensar na cena.
Domei minhas pernas comandando-as a correr. Uma força incomum me possuiu e fui ganhando velocidade.
O som de cascos para e um silêncio sepulcral se instala.

Olho para trás novamente.
Onde ela estava? Será que estou tão maluca a ponto de ver coisas?

Paro meus passos pesados e tento ver através das sombras.
Volto para frente e em um solavanco de tempo me deparo com aqueles olhos doentios e demoníacos. Ela levanta suas mãos em forma de garras, pronta para disparar um golpe certeiro em meu pescoço. A vi se aproximar em câmera lenta. Agilmente, me abaixo e esquivo aquelas terríveis e afiadas "unhas", indo direto para o chão.
Levanto rapidamente e cambaleio para a árvore mais próxima. Subitamente, a mulher saca uma adaga e atirou-a em minha direção. Fecho os olhos com força enquanto sinto a lâmina afiada passar contra minha orelha e enterrar-se no tronco cascudo e marrom da árvore atrás de mim.
Não posso ficar parada.

Volto a correr arfando de dor, enquanto isso o sangue quente escorre por meu pescoço.
Atrás de mim, ela gargalhava violentamente.

- Corra, você está apenas me divertindo...

Por que nesse momento não tem um ser vivo na rua? Geralmente não passam as noites a mercê da vida?
Não preciso da resposta.
Acima de QUALQUER COISA, tinha certeza que aquilo era um demônio.
Meus braços ardiam com os arranhões causados pela árvore, mas o que menos me importava naquele momento eram ferimentos.
Meu foco era sobreviver. Ou tentar.

Para minha sorte, ou milagre, avisto uma igreja a 10 metros dali.
Dou uma espiada para trás e vejo o tal demônio pegando impulso e velocidade com seus casos dourados.
Estava exausta, ofegante e com as pernas pesadas. Arranco o moletom e arremesso no ar, que encontra o rosto da coisa.
A mulher solta um berro animalesco que arrepia meu corpo violentamente.
Corro mais uma vez pela vida e chego as portas da igreja. Derramo meu peso sobre os degraus gastos como um cão fugindo de um abusador maluco e violento.
Eles não podem entrar na igreja, certo?
Vejo-a se aproximar cada vez mais.

ERRADO. ERRADO!

Levanto novamente e corro até o altar da igreja, e não sendo o bastante, piso em falso torcendo o tornozelo, caindo no chão e grunhindo de dor.
Por que comigo? Por que tanto azar?
Percebo que estava redondamente enganada quanto aos demônios entrarem em igrejas, pois as portas se abriram com um solavanco e aquilo veio andando em minha direção. Lentamente.
Juntei forças para tentar me arrastar para mais perto do altar, mas aquela criatura demoníaca abriu os braços subitamente e o ar tremeu em volta dela.
Os vitrais da igreja se despedaçam em milhões de cacos e se espalham por toda parte.
Protejo inutilmente a cabeça com os braços nus e molhados do suor frio temperado com o pavor.
Continuo tentando me arrastar, cortando minhas mãos e pernas com o vidro pelo chão.
Em uma velocidade sobrenatural, o demônio se aproxima de mim. Agarra meu pescoço fino, fechando a mão facilmente em volta dele, levantando meu corpo do chão e me lançando novamente contra ele.
Minha cabeça lateja em partes que eu nem sabia que poderia doer e minhas forças se esvaem aos poucos.

- Para um meio anjo... eu esperava mais... - ela sorriu sarcasticamente.

Com o rosto próximo ao meu, sinto seu hálito podre e sorrindo vitoriosamente, lambe uma ferida em meu braço.

- Sai daqui! - choramingo tentando me afastar.

- Vindo se esconder em uma igreja? Que tola... achou mesmo que ia funcionar? - ela ri. De novo.
Com uma das mãos livres, o demônio pega um pedaço triangular de um vidro azulado e o pressiona sobre minha jugular. Me prendendo entre suas patas, ela saca uma adaga prateada e a passa delicadamente sob minha bochecha. Uma dor imensa atravessa meu rosto e sinto o sangue escorrer quente e viscoso até meu pescoço, estranhamente o corte parecia ter uma luz. Uma luz que saía de mim...

- Pois bem... sou a gloriosa Empousa. E não se preocupe... você morrerá MUITO lentamente. Afinal... preciso de cada gota dessa graça para meu Mestre. Seus pedacinhos serão valiosos querida... ele mesmo me pediu para cuidar disso.

Lúcifer? Lúcifer queria me matar?
Então ela deu início ali, no meio de um altar, a uma sessão de torturas.
Eu não conseguia entender.
Como cortes tão superficiais podiam doer tanto?
Empousa passava a lâmina de prata por vários lugares no meu corpo, e eu só conseguia gritar e deixar as lágrimas correrem.
Meus pensamentos se voltaram a Sky. Para Lúcifer.
Se pelo menos eu tivesse tido tempo para dizer à ele o que estava sentindo... talvez ele mudasse de ideia...

De repente, a igreja fica obscurecida e algo com asas entra no recinto. Uma sensação familiar e incômoda ganhou vida em mim e em meio a tanta confusão minha visão escureceu.
Desmaiei.

A Graça de Lúcifer - Leticia Rovaris (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora