Capítulo 5 - Segredos e Decisões

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Oiê, minhas ciganas!
Bora conferir o que esse Marques vai aprontar?

Francesco

          Naquela manhã acordei com um sentimento esquisito. Uma mistura de medo com insegurança. Olhei o relógio cuco na parede de meu quarto vi que faltava pouco para as cinco da manhã. Olhei para o lado e vi que Enola dormia tranquila. Apesar de noivos, ela já era minha mulher na prática desde seu aniversário de quinze anos.
Caminhei até o banheiro abrindo o chuveiro ao máximo, eu queria que a água gelada despertasse meu couro para mais um dia de trabalho. Vesti minhas roupas, penteei meus cabelos, dei um beijo na testa de minha bela adormecida e me dirigi para a sala de estar onde fazíamos todas as refeições.
_ Opá, patrãozinho, bom dia! Já estou a preparar os ovos como o senhor aprecia.
_ Obrigado Jacinta.
Retirei um pedaço de pão caseiro mordendo sem pressa e sem fome observando a movimentação entre os empregados de um lado de fora da fazenda. Eu tinha orgulho do que havia feito por Doze Cedros. Tirá-la das mãos de papai e ganhar outra vez dinheiro e credibilidade tinha me custado muito esforço. Eu nem lembrava de que era somente um rapaz de dezoito anos de idade. A alma velha que Zé Feitiço vira em mim continuava intacta.
_ Aqui está os vossos ovos bem mexidos, mestre Frank. Tenho que pegar um café mais quente... Mas por que estás tão calado?
_ As vezes eu sinto falta do silêncio Jacinta.
_ Estais estranho por demais. Brigaste com a gaja?
_ Não é de sua conta. Vá caçar  um banho.
_ Opá, que tomei banho a pouco
_ A pouco quando Jacinta?
_ Tem por aí uns vinte dias.
_ Misericórdia. Jacinta, você vai tomar banho para meu casamento ouviu?
_ Mas o que tem o cú com as calças?
• _ O que tem? Se não lavar o vosso cú, não estará no meu casamento.
_ És ainda o mesmo miúdo dia infernos. Estás a lembrar quem chega por essas bandas hoje?
_ Fala do filho de Pedro Bispo?
_ Este mesmo. Patrãozinho, ainda não entendi por qual razão permitiu que este moleque regressasse. Depois do que lhe fizeste, mestre Frank?
_ Estou tentando ser o bom samaritano Jacinta. Não é isso que o padre Virgínio prega nas missas todo domingo?
_ Pois para mim, tu tens algum plano macabro na ponta da faca para o tal Ismael.
_ Por que pensa isso?
_ Eu praticamente te criei. Eu seu bem a serpente que tu és. A mim, tu não enganas! – sorri satisfeito pela observação dela – pegarei um café mais quentinho.
_ Vou para o campo ver o gado.
_ Mas nem puseste a mão nos ovos. Não podes sair assim em jejum, ora pois!
_ Estou sem fome minha portuguesa. – passei por ela abraçando-a. Com tempo vi o quanto Jacinta era importante em minha vida – Mas por favor, tome um banho! -  gargalhei correndo de sua mão com a colher de pau.
La fora a sensação inóspita ia aumentando dentro de mim soando quase um presságio de que alguma coisa de muito ruim estava prestes a acontecer. Mesmo o sol e toda sua majestade pôde conter aquele sentimento quase funesto dentro de mim. Pensei em mamãe. No dia que ela morreu. Nunca entendi como a lembrança de algo que não vi pudesse ser tão intenso e presente dentro do meu peito. Apanhei Meia Noite rumo aos pastos destinados aos gados da fazenda. Por mais que corresse de um lado para o outro examinando a boiada meu coração permanecia apertado. Não pude me concentrar em nada. Era impossível naquele momento. Do meio da vastidão do campo avistei o cavalo de papai aproximando-se e ele aos berros em cima do animal.
_ Você enlouqueceu Francesco? Vai mandar essa boiada para onde sem antes marcar o gado?
Algo tão simplório. Detalhe que eu jamais deixaria passar em branco sem ordenar aos meus empregados.
_ Pedro! Oh Pedro! – papai gritava o capataz.
_ Pois não coronel Francavilla!
_ Bota esse gado na linha de marcação. A boiada não pode seguir em comitiva sem antes estar marcada. Mas de quinze dias de viagem, se sumir algum animal vai achar como sem estar com a nossa inicial?
_ Sim senhor. Eu tentei avisar ao seu Frank.
_ Ara, deixe o marquês das serpentes de cara para cima, e vá  cuidar desse mandado, homem!
_ Estou indo coronel. Estou indo agorinha!
Observei a cena ainda não crendo no que não tinha feito. Percebi os olhos de papai sobre mim como uma águia na caça de rapina. Aproximou do meu cavalo franzindo a testa.
_ Que bicho te deu, seu imbecil? Vou ter que ficar fiscalizando serviço porco seu agora é?
A palavra porco mexeu com meu brio. Uma das minhas metas foi ter o cuidado de afastar papai dos negócios sem dar a ele motivo algum para que uma cena como aquela não acontecesse.
_ Isso é que dá ficar enrabichado por mulher. Eu te avisei que botasse Enola no cabresto e ela ligeira acabou colocando você! Seu bosta, filho da puta!
_ Veja como fala comigo coronel. Eu não sou um dos seus criados tampouco seu capacho!
_ Então prove e faça seu trabalho direito! Babaca! Seu frouxo na mão de mulher!
Por mais odioso que fosse estar com meu pai, ele tinha razão. Eu havia sido relapso em algo tão banal. No entanto, o sentimento angustiante persistia em suas nuances dentro de mim. Agora estava enjoado e cheguei até a ficar um pouco tonto. Mandei um dos peões levar meu cavalo para o estabulo decido a voltar a pé para sede, supondo que um pouco de ar puro pudesse me fazer sentir melhor. Durante a caminhada lembrei da discussão com Enola e seu comportamento. Julguei que talvez eu devesse de uma vez por todas sepultar o assunto Ismael entre nós porque uma coisa era fato: Enola em tempo algum falava sobre ele comigo. Sempre fui eu a ressuscita-lo entre nós. Eu queria ser feliz com ela. Não via  que nada do que fiz para tê-la comigo foi desonesto ou sórdido. Em algum lugar li o que pensava, vale tudo no amor e na guerra. Ela era o significado de tudo em minha vida. Meu sentimento mais puro e sincero existiam por e para ela. Nada ou ninguém em tempo algum mudaria isto.
Quase na subida da sede vi uma pequena comemoração próximo a entrada de empregados. Avistei a esposa de Pedro Bispo e um homem alto, bem encorpado cuja a pele cor de jambo trouxe calafrios a minha espinha. O instinto gritou dentro do meu eu, apertei o passo entrando em casa mais rápido que um cão perdigueiro atrás de sua caça.
_ Enola! Enola! Enolaaa!
_ Mas o que aconteceu senhor Frank?
_ Onde está Enola, Ilda? Onde?
_ Ela deve estar no quarto ou na sala de pintura com Isa Edite.
Corri a sala de pintura, de música mas tudo estava parado sem o frescor de sua presença. Voltei rumo ao quarto adentrando sem nenhum respeito.
_ Ah, você está aí!
_ Onde mais eu poderia estar? Aconteceu alguma coisa? – ela preocupou-se em enxugar meu rosto com seu lenço de seda.
_ Eu estou bem. Não se preocupe. – olhei para Edite que não entendeu nada, mas Enola sim.
_ Mãe Edite, pode nos dar licença por um instante, por gentileza? Daqui a pouco faremos nossa caminhada matinal.
_ Caminhada? Não. De jeito algum! – esbravejei.
_ Com licença. - disse Edite saindo e fechando a porta do quarto.
_ O que houve, meu querido? – ela pegou minhas mais puxando para nossa cama. Sei rosto era pura inquietação por mim, só ali percebi que precisava recuperar o controle da situação.
_ Sei que é um pedido estranho. Mas gostaria de que não saísse para caminhar pela sede por alguns dias.
_ Ora, mas por quê? Não estou entendendo Frank.
_ Apenas me prometa. Você disse que me ama e que escolheu ficar comigo. Faça o que lhe peço.
Li nos seus olhos que ela deduziu a razão do meu pedido inusitado.
_ Posso lhe fazer esse agrado sem problema algum. – respirei aliviado – Mas e depois Frank?
_ Depois o que?
_ Eu vou ter que me tornar uma prisioneira da casa por que Ismael está lá fora?
Corri de seu olhar levantando da cama indo até a janela. Eu sabia que estava sendo irracional e perdendo o controle que eu jurava ter sobre tudo e todos, e em especial, sobre aquela situação.
_ Você é minha noiva, logo minha esposa. É meu dever zelar sobre sua honra.
_ Minha honra? Mas do que está falando Francesco?
_ A maioria das pessoas desta cidade e da fazenda sabem do que aconteceu no passado. Não querem que suas aparições fora da casa deem margem para as más línguas.
_ Más línguas? E o que essas más línguas poderiam falar ao ponto de denegrir minha imagem?
_ Enola, eu não quero e ponto. Sou seu marido na prática, deve-me obediência!
_ Pois não Sinhozinho.
Ela sabia como arrebentar meu coração.
_ Não faça isso Enola. É um pedido simples de um homem completamente devotado a você  Não seja infantil.
_ Não seja infantil? Eu? Frank por que não podemos agirmos como dois adultos?
_ Do que fala?
_ Vamos juntos dar as boas vindas a Ismael. Sem ressentimentos.
_ Você quer vê-lo! É isso! Diga que minto?
_ Por que não? Eu gostaria de revê-lo sim. Como fazem os velhos amigos. Qual o problema disto? Estaríamos sendo tão maduros Frank.
_ Não ouse chegar a um quilômetro de distância daquele  borra-botas!
_ Farei como deseja, caro marido.
Senti-me um paspalho ao ver a sua decepção diante da minha atitude. Não suportava ser o causador disto nela.
_ Esqueça o que falei. Você tem razão. O mais sensato é darmos boas vindas a Ismael como donos da propriedade e antigos amigos.
_ E o que fez mudar de ideia tão rápido?
_ Sei reconhecer ideias melhores que as minhas Enola. Não de todo mundo, mas de quem amo.
Aos poucos veio até mim acariciando meu rosto com o mais sublimes do toques de mãos.
_ Enterre seus mortos Francesco Cesári Francavilla.
_ Eu te amo demais Enola. Você não faz ideia.
O roçar dos seus lábios nos meus fez nascer um beijo insano e profano e mais uma vez eu a amei de todo meu coração, com toda a intensidade que meu espírito permitia.
   A noite começava a cair em Doze Cedros, eu já tinha terminado os meus afazeres, agora com mais atenção. Sentia-me mais relaxado e confiante quando ouvi passos atrás de mim. Virei num golpe só deparando-me com Zé Feitiço e sua cara de poucos amigos.
_ Resolveu o assunto?
_ Eu vim lhe trazer um recado Sinhozinho.
_ Recado? – estranhei.
_ Da espiritualidade.
_ Eu não quero recados, eu quero aquele assunto resolvido.
_ Pois suncê deIsaa escutar. Se o sinhozinho está de pé, é graças ao pacto que fez com a espiritualidade.
_ Eu não deixei de cumprir com as minhas obrigações, todo ano elas são renovadas e você sabe disso.
_ Pois justamente por causa da sua lealdade, as entidades desse pacto mandaram lhe falar que desista desse casamento!
_ Mas que conversa é essa agora?
_ O recado foi claro sinhozinho. Desista enquanto é tempo, pois se suncê teimar nessa ideia vai colher a maior dor de toda sua vida. Acabei com esse noivado enquanto é tempo!
_ Eu mandei você fazer uma mandinga que amarre Enola a mim, e você me aparece com essa conversa de merda?
_ As entidades que colocaram o Sinhozinho de pé são muito forte. A amarração seria feita com outra linha. Com quiumbas. Mas a espiritualidade maior não permitiu e ainda me mandaram esse recado. Sinhozinho, eu lhe peço,  desista desse casamento!
_ Por que? A mesma historinha de que ela não é do meu caminho?
_ O senhor ainda não entendeu pelo visto. Não é só o fato de Isa Enola não ser do seu caminho.
_ É de que então?
_ É que o senhor está atrapalhando o destino dela. Se a ama como parece, deixe que ela siga o seu destino.
_ O meu destino sou eu quem faço Zé Feitiço.
_ O destino é como água Sinhozinho. A gente prende de uma lado ela escapole pelo o outro. A água sempre encontra um jeito de cursar o caminho dela. O senhor não pode mudar isso.
_ Está dado o recado. Suma da minha frente seu feiticeiro de merda!
_ Pense bem Sinhozinho...
_ SUMA DAQUI HOMEM!
_ Com a sua licença.
    Ser desafiado. Isso mexia com minha essência humana mais primitiva. Eu me sentia contra tudo e contra todos, e essa sensação só me fortalecia. Se o destino queria duelar comigo, eu lhe mostraria o que é poder. Foi assim que ignorei aquele aviso.
Prossegui meu caminho, já subindo os primeiros degraus da sede escutei resmungos bem baixinhos, inaudíveis para a maioria das pessoas, mas não para um inválido preso a uma cama até os doze anos de idade, todos os meus sentidos eram mais apurados. Dei alguns passos para atrás rodeando a casa por trás até avistar uma cena intrigante. Edite e Ismael pareciam discutir. Abaixei-me por trás da pilha de feno que sairia dali pela manhã para o trato dia animais concentrando-me em escutar o que diziam.
_ Não tem o direito de me pedir isso senhor Ismael!
_ Eu só preciso de cinco minutos com ela. Enola tem o direito de saber o que Frank fez!
_ Não! Vá embora daqui! Já não basta o que causou a ela?
_ Mas Isa Edite, ele mentiu! Fez parecer algo que nunca aconteceu! Por isso fui expulso daqui! A senhora tem noção do que ele causou em minha vida? Fui acusado de tentativa de assassinato!
_ Você deIsaa mais grato. Se ele é tão vil assim, por que permitiu sua volta e ainda lhe ofereceu emprego? O senhor não presta, senhor Ismael! Fique longe de minha Enola. Se eu sonhar que tentou se aproximar dela de novo eu entrego a sua cabeça nas mãos deu seu Francesco! Ouviu bem?
_ Eu sou inocente Isa Edite.
_ Acho que nossa conversa terminou. Com a sua licença.
_ Sou inocente Isa Edite. Enola tem o direito de saber. Por favor!
  Sempre gostei de Edite e da maneira como protegia Enola. Ela não foi um problema no meu caminho, e por essa razão não a afastei de minha amada, antes eu só gostava dela, mas naquela noite passei a venera-la.
Quanto ao imbecil, não pensei duas vezes, sai dos montes de fenos, rodei a casa passando por um caminho onde certamente o encontraria. Era hora de dar-lhe do meu jeito um bem vindo ao lar. Encostei ao lado do mourão da cerca e tudo que fiz foi aguarda-lo. Minutos depois com um andar desolado ele surgiu descendo a trilha. Ao se separar comigo agiu como se tivesse visto algo de outro mundo.
_ Noite Ismael. Parece que viu uma assombração. É somente eu, Frank.
_ Eu de fato me assustei. – permanecendo inerte.
_ Vim lhe dar as boas vindas.
_ Eu agradeço, mas não carecia tanta atenção de sua parte não.
Abandonei o mourão ficando cara a cara com ele.
_ É bom ver você andando Frank.
_ Frank? Somos íntimos? Amigos pelo menos?
_ É bom ver você andando senhor Francesco.
_ Melhor assim. Está vindo da sede? – ele percebeu o que eu tinha visto.
_ Alguém tem que contar a verdade a Enola.
_ Presumo que o filho do meu capataz, o novo cuidador dos chiqueiros dos meus porcos, acredite que seja ele. Não é mesmo, caro Ismael?
_ Você não vale nada! - depois de um suspiro irônico sorri - Como pôde dormir nos últimos anos sabendo que me acusou de algo que eu não fiz?
_ É uma questão de prioridades Ismael. Eu penso e prezo por minhas prioridades. Como você não era nenhuma delas... – dei de ombros.
_ Enola tem o direito de saber a verdade. De saber quem é você.
_ Ora, ora Ismael, eu lhe ofereço um regresso, um trabalho e você vem com sangue nos olhos ponto para  me contra atacar? Isso é algum tipo de revolta por não ter sido convidado para o casamento?
_ Eu quase fui preso por sua causa! Se não fosse o meu pai se humilhar para o coronel Francavilla... Eu  passei todos esses anos num reformatório!
_ Pelo visto a casa da vovó não tem fez bem, não é verdade?
_ Não tenho medo de você senhor Francesco. Não tenho!
_ Isso significa o que? – bem ali rente ao seu rosto.
_ Não significa nada. É só um aviso. Só me deixou voltar para passar como bom moço para o povo e principalmente para ela, Enola. Eu te conheço. Eu sei do que é capaz. Você é verme! Um lixo de gente!
Num golpe o peguei pela gola da camisa empurrando-o contra a cerca com minha faca na outra mão.
_ Não ouse chegar perto da minha mulher outra vez, seu imundo! Se insistir nisso, será a última coisa que fará nessa sua porra de vida, seu filho da puta do caralho! Estamos conversados? – então o soltei afastando-me dele sem dar as costas voltando para casa.
O gosto de sangue me veio a boca com fervor. Eu não me tornei o Marquês das Serpentes somente pelas carnes de cobras para fortalecer minha musculatura quando inválido, agora era por circunstâncias maiores, eu era temido por toda região pelo espírito guerreiro em não ter piedade dos meus inimigos. Até então não fui direto em me livrar daqueles que ousavam atravessar meu caminho, mas indiretamente mandei muitos para o inferno num paletó de madeira. Eu só não abria mão da minha marca. Depois do serviço feito uma serpente surgia picando o sujeito no rosto. Algo que pedi no pacto com as entidades. O povo já sabia que quando um deitava no chão possuindo a tal marca na cara era mais um feito do Marquês das Serpentes. Eu tinha orgulho disto.
    No dia seguinte fiz questão de convidar Enola para um passeio de braços dados e os cães correndo a nossa frente como de costume. Sem que ela notasse encontrei um meio de passarmos no caminho da criação de porcos.
_ Meu querido, já que estamos aqui, por que não damos as boas vindas a Ismael? O que acha?
_ Você sempre têm as melhores ideias meu amor.- minha intenção havia dado certo.
Caminhamos mais um pouco, eu sabia que pelo o horário os chiqueiros estariam sendo limpos. Outra jogada de mestre, queria que a visse com a mão entrelaçada ao meu braço forte enquanto o saudava fedendo esterco de porcos, mais a frente,  lá estava ele, imundo dos pés a cabeça e descalço, ordenei a João que sumisse com os pares de botas, e dissesse que só chegariam na próxima remessa. Queria ver até onde o filho pródigo suportaria.
_ Bom dia Ismael. – falei num tom alto e educado, mas sem tirar o sorrisinho desprezível do meu rosto.
Ao virar-se encontrando Enola, eu o vi empalidecer. O choque dele foi o meu arco-íris matinal.
_ Como vai Ismael? – eu vi por mais que ela tentasse disfarçar uma leitura em seu corpo de frenesi.
_ Como vai Isa Enola? – o tom de sua voz foi seca e abafada. Outra vez gargalhei por dentro
_ Enola. Somente Enola, não é Frank?
_ Mas é claro! Somos velhos amigos. – segurando o ódio de ver aquele velho olhar de cumplicidade entre dois. O tempo me traiu.
_ Eu espero que Doze Cedros seja boa para você nessa nova fase aqui.
_ Eu também fico feliz por vocês, Enola. – sem conseguir esconder a sai infelicidade para o meu êxtase.
_ Você está muito diferente na aparência Ismael. Mas ainda carrega a mesma bondade no olhar.
_ Um pouco Enola. A vida dá muita pancada na gente.
_ Meu amigo Ismael, alguém já disse que na vida não importa o quanto se pode bater, mas sim, o quanto se aguenta apanhar.
_ Belas palavras Frank. – ele respondeu enquanto nossos olhos duelavam.
_ Os mais fortes sobrevivem. – endossei.
_ Uma hora dessa vez tomar um café da tarde passado na hora por Jacinta. Adoraríamos, não é mesmo, Frank?
_ Já está feito o convite.
_ Eu agradeço muito a gentileza Enola, mas eu prefiro que cada coisa fique em seu lugar.
_ Ora Ismael, por que diz isso? – sua mão deixou meu braço dando um passo a frente. Eu a conhecia, ela preocupou-se.
_ Também não entendi Ismael. – mantive o ar desentendido.
_ Eu prefiro assim. Vocês são meus patrões e eu quero daqui para frente me comportar com mais um empregado da fazenda. Eu sou muito grato por toda cortesia, mas eu prefiro que seja assim.
_ Mas Ismael... – as mãos dela se esfregavam lentamente uma a outra.
_ Enola, meu amor, respeite a vontade dele.
_ Não! Acho que precisamos parar com as firulas sociais e tocar no que aconteceu naquele maldito dia.
_ Enola... – insiste inutilmente.
_ Frank, por favor. Isso tem que acabar. Temos que enterrar esse assunto da firma como ele começou. Com os três juntos! Ismael, peço perdão em meu nome e o de Frank.
_ Perdão? – rebati – Você fala como se nós tivéssemos feito algo a ele, e não fizemos!
_ Ismael, eu tenho certeza de que foi um mal entendido. Sabemos que você jamais tentaria fazer algum mal a Frank.
_ Sabemos? – agora ele rebateu.
Ele tinha a faca e o queijo ali, em suas mãos. O olhei com toda intensidade que me convinha, mas ele me surpreendeu.
_ Enola, não acho que um pedido de desculpas possa apagam cinco anos num reformatório. Eu passei por coisas terríveis naquele lugar.
_ Reformatório? – ela trouxe as mãos ao peito – Sempre soube que você estava na casa de sua avó, Ismael.
_ Não foi bem assim. Eu saí daqui para um Reformatório para meninos delinquentes. Foi a condição que o coronel Francavilla exigiu de papai para não me acusar formalmente de tentativa de assassinato. Na casa de minha avó fiquei no último ano, até Deus chamá-la no último mês.
_ Santo Deus! Por Jesus, Maria e José! Eu... Eu nem sei o que falar. Frank, você sabia disso?
_ Não Enola – Ismael de repente se pôs em minha defesa. Mostrando-me que ele não era mais um rato qualquer – Frank, não sabia. Isso foi trato feito entre nossos pais. Só estou falando porque o assunto foi tocado.
_ Tanto não o sabia que o ofereci abrigo e emprego, Enola. – insisti no meu álibi.
_ Como titio teve coragem de fazer uma covardia como essa?
_ Vamos, minha querida, é o meu pai, o coronel Francavilla, eu ficaria surpreso se ele não fizesse.
_ Ele só quis defender o filho indefeso Enola. É compreensível. – foi ali que eu percebi o veneno dele.
_ Mas foi um acidente!
_ No lugar dele, com o filho ensanguentado, inválido, sangrando com aquela pedra no chão e gritando por socorro... Eu não teria feito diferente.
_ Frank, você acusou Ismael de tentar contra sua vida?
_ Jamais. Não recordo muito bem do que aconteceu. Mas em momento algum disse isso a meu pai. – agora o tom sarcástico estava nos olhar dele.
_ Pois ainda hoje durante o jantar esclarecerei esse assunto com meu tio. Isso não vai ficar assim! De modo algum!
_ Enola, acalme-se, meu amor. – detive em meus braços. – Desculpe Ismael, mas acho melhor levar a minha noiva para casa. Ela precisa de uma boa xícara de chá de Cidreira.
_ O patrão faça como desejar. Vou voltar ao meu trabalho. Com sua licença
Sei admirar um bom inimigo quando tenho um. Ismael, foi o primeiro, e por isso tenha dado a ele parte do meu respeito. É admirável ver um homem com tão pouco saber virar uma mesa só com o poder de sua inteligência. Mesmo assim, eu teria que cuidar dele, mas ao seu tempo. Agora minha prioridade era acalmar Enola e conversar com papai sobre o indigesto assunto trazido pelo insolente tratador dos porcos.
Enola tinha um temperamento doce. Às vezes era turrona numa ideia, mas o tempo me ensinou como lhe ludibriar. Depois de consertar o estrago de Ismael e deixá-la aos cuidados de Edite, procurei meu pai e fui informado por Jacinta que ele se encontrava no seu escritório dando ordens ao telefone para alguns negócios que tínhamos na Capital.
Entrei sentando na poltrona de couro admirando o barro vermelho da montanha com a plantação de café , assim como, a petulância do filho de Pedro Bispo.
_ Mas eu vou te contar, como esse povo da Capital é burro! A gente fala bife de caçarolinha e eles entendem rifle de caçar rolinha!
Mantive-me calado com a mão esquerda no queixo e a outra sobre o joelho.
_ E o que você está fazendo com essa cara de bezerro desmamado? 
_ Nós precisamos falar sobre um velho assunto, coronel.
_ Que velho assunto? – ele sentou-se acendendo um charuto e eu me levantei.
_ O borra-botas do filho de Pedro Bispo.
_ Mas essa peste bem não chegou já começou atazanar? Eu te avisei que trazer esse merda para cá não seria boa ideia! – com o dedo em punho.
_ Eu tinha que parecer superior e generoso para Enola! Cansei de lhe explicar isso.
_ Mas esse é o seu problema, Francesco. Você se preocupa demais com que Enola vai pensar ou deixar de pensar. Mulher não se trata assim não. Você manda e ela que vá chorar no travesseiro que é um lugar mais quente! Onde já se viu!
_ Eu fiz o que tinha que fazer. Ponto!
_ É, mais agora está aqui! O que foi que esse Zé ninguém aprontou?
Com um riso debochado coloquei as minhas mãos em cima da longa mesa de madeira maciça do escritório de papai contando o ocorrido.
_ Mas que filho da puta! E você ri, Francesco?
_ Eu gostei da ousadia dele em achar que pode me derrubar.
_ O negócio é o seguinte. Deixe que Enola traga a conversa durante o jantar e eu me encarrego de por a sua mulher no lugar dela já que você não faz!
_ Não seja rude com ela. Não ouse!
Meu pai afastou-se um pouco da mesa , deu mais uma travada no charuto jogando a fumaça em forma de roscas pelo ar, um estilo seu, e em seguida me analisou de cima abaixo;
_ Antes eu achava que era coisa de criança, depois achei que fosse capricho de homem, mas agora eu estou começando a crer que você de fato ama essa moça.
_ Sim. A única pessoa que amei nessa vida é Enola.
_ Francesco, ouça o que lhe digo, você não pode ser o homem que quer ser tendo o coração nas mãos de uma Mulher. O coração de um homem não é de ninguém, e o seu cérebro só pertence a si mesmo.
_ Tolice! – andava de um lado para o outro.
_ Você tem talento para os negócios e eu sei reconhecer o seu valor. É ligeiro, astuto, você é bom nisso, mas se não resolver esse assunto de homem apaixonadinho, você vai foder com tudo que já conseguiu até aqui!
_ De Enola cuido eu meu pai!
_ Você tem certeza dos sentimentos dela por você? – aquele era o meu calcanhar de Aquiles.
_ Que pergunta é essa?
_ Enola é doce, agradável, bonita que só, mas é muito misteriosa. Não dá para saber o que se passa dentro dela.
_ Onde quer chegar coronel?
_ Nós precisamos é do dinheiro dela Frank. Até hoje administramos e você nos reergueu. Mas assim que assinar os papéis já teremos o que precisamos, controle total dos bens de Enola. Para nós ela é um banco, e não uma barraca do beijo da quermesse!
_ Chega dessa conversa.
_ Não se come a carne onde se ganha o pão.  Você é o temido e terrível Marquês das Serpentes, você pode ter todas as mulheres do mundo sem precisar se apegar a nenhuma delas. Não comenta a besteira de se pegar justamente com a que se casou.
_ Eu preciso ir. Já falei o que carecia
_ Livre-se dela após o casamento!
_ O que? – eu voltei os passos que dei até a porta.
_ Você me ouviu muito bem.
_ Jamais ouse falar isso outra vez, coronel!
_ Será o seu maior e melhor investimento! Pense, seu besta!
_ Não ouse mais falar disso comigo. Entendeu?
_ Esse seu sentimento vai botar tudo a perder e eu não sou homem que brinca quando o assunto é dinheiro!
_ Não se meta nisso!
_ Eu não direi mais, fique tranquilo. Mas também tenho que lhe lembrar de que eu não necessito do seu consentimento para resolver os meus assuntos.
_ Se tocar num só fio de cabelo dela... – estava prestes a dar um murro em sua cara quando a porta foi aberta inesperadamente por Jacinta que assustada se calou.
_ Diga o que quer, Jacinta. Frank já está de saída, não é mesmo, meu caro e amado filho?
Como uma pedra abanIsa um estilingue deixei aquele escritório rumo ao nada. Apanhei Meia Noitee pondo a galopar por entre as montanhas e riachos de Doze Cedros. Aquela terra vermelha tinha o dom de me acalmar, de serem meu espírito indomável. Aproximei-me de uma das cachoeiras da propriedade, desci do cavalo deixando que ele bebesse um pouco de água, arranquei minhas roupas e como vim ao mundo joguei- me naquelas águas geladas que a princípio pareciam agulhas espetando meu corpo rígido pelo ódio e nervosismo, por fim me adormeciam oxigenando melhor meu juízo. Mergulhei até ao fundo da grota. Sentei-me numa pedra conhecida dia meus desabafos confessando-a algo que pensei que não seria mais necessário.
_ Eu tenho que matar meu pai.

Muito obrigada pelo carinho da sua leitura!
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O Marquês Das SerpentesWhere stories live. Discover now