Acordar com gritos não era uma experiência legal, quem dera tivesse tido forças para gritar na noite anterior, quem dera alguém também tivesse visto aquilo, mas não. Com o raiar do sol o diretor do orfanato fora acordar todas as crianças e ao perceber o quanto Eduardo estava gelado, e não respirava, ele gritara por socorro o que acordou Jasson. Algum tempo depois veio a confirmação, todas as crianças iriam ter que ir a um velório, Eduardo morrera naquela noite, causa: falha respiratória durante vômito. Jasson sabia a verdade, aquele ser havia levado a alma de Eduardo, ele não era idiota o suficiente para morrer engasgado com vômito.

Depois daquele dia, o pior dia da vida de Jasson, ele resolveu mudar seu nome, mesmo que só ele soubesse seu novo nome ele não se importava, ouvir vozes lhe chamando de Jasson lhe causava dor, era como se Eduardo pudesse surgir a qualquer momento lhe chamando para ver TV, aliás, foi na TV que ele ouviu falar de seu novo nome pela primeira vez. A notícia dizia "primeiro Meta-animal, criado pelo exército brasileiro foge e causa pânico" "Meta" o que significava aquela palavra? Diferente? Transformado? Alterado? Forte? Jasson não sabia, mas daquele momento em diante se chamaria Meta.

— Jasson, você pode ir comigo até o mercado? — As outras crianças olharam feio para a cena, o diretor convidando Jasson pessoalmente para ir ao mercado, quando na maior parte do tempo as crianças nem podiam sair dali.

— Claro. Mas... nós voltaremos logo? Quero ficar desenhando. — Após a morte de Eduardo este era seu único meio de se divertir, colocando sua imaginação no papel.

— Sim, nós voltaremos logo. Logo. Me espere no carro lá fora. — O diretor falou, apontando pela janela o carro prateado fora do orfanato.

As crianças tinham razão em sentir inveja de Jasson, publicamente elas não eram sinceras o suficiente para demostrar para todos, mas todos sabiam o mesmo. A única pessoa que não percebia isto era o diretor, era incrível. Mas a dúvida que sempre ficava no ar era o porquê dele dar tanta atenção a ele. Jasson, ou Meta nunca parava para ficar pensando neste lado da vida, o lado chato, o lado onde ele teria que resolver problemas pessoais para ter uma vida social. Mas naquele dia ele saberia a verdade.

Quando o diretor deu a partida no carro Jasson sentiu um arrepio, andar de carro não era comum para ele, na verdade sair de casa não era comum, ele morava ali, no orfanato, estudava ali, dormia ali, comia ali, tudo era feito ali, havia as cozinheiras, o diretor, e as professoras que ora ou outra trocavam. O mundo fora dali era assustador segundo a TV, para Jasson a TV tinha razão, mas para o novo Meta, o novo ele, a TV mentia, o mundo só precisava de um herói e tudo estaria resolvido. Ou ele só estava pensando como uma criança mais uma vez?

— E ai garoto, você já se acostumou perfeitamente com a falta de Eduardo? — O diretor falou de repente. Jasson nunca tinha olhado bem para o diretor, agora reparava o quanto ele sempre parecia cansado, seus cabelos eram brancos, os olhos eram claros e estava sempre com aqueles óculos redondos.

— Um pouco. — ele olhava os outros carros passando lá fora, as casas, as pessoas, pensando se algum dia aquela vida mudaria, se ele sairia do orfanato, se alguma família adotaria ele, ou algo do tipo. — Diretor, por que você dá mais atenção a mim do que aos outros? — ele finalmente teve coragem de perguntar.

— Você percebeu isto também? — ele sorriu — Não é bem assim garoto, é que eu e você temos uma história, você só não sabe.

— História? Juntos? Eu não lembro...

— você era pequeno demais para lembrar. Mas em resumo eu lhe encontrei em frente ao orfanato, no mesmo dia em que perdi minha esposa... na verdade eu não gosto muito de falar deste dia, mas você salvou ele.

— eu já tinha ouvido falar sobre você ter me encontrado assim, mas não sabia que era o mesmo dia em que tinha perdido sua esposa. — Neste momento uma lágrima desceu pelo rosto do diretor, e Jasson viu.

— Quando você entender como salvou aquele dia, eu lhe conto tudo em detalhes. Ok? — ele sorriu mais uma vez.

— Ok. — E Jasson sorriu de volta.

A ida ao mercado havia sido calma, e a volta passou bem rápido, ao chegar de volta no orfanato Jasson pegou papeis em branco e seu lápis, foi para perto da janela e sentou no sofá para desenhar. Desenhou algumas coisas que viu no caminho como os policiais, as casas, e os animais, a vida estava vazia sem Eduardo, ele adoraria ver os desenhos. Quando a noite chegou o telefone da sala tocou, o diretor atendeu e Jasson não pode ouvir bem a conversa mas era algo sério, o diretor saiu rápido em seu carro e tudo ficou trancado. Quando o dia amanheceu tudo mudou.

— Silêncio! Prestem atenção pessoal, este é o novo membro do orfanato, na noite anterior eu tive que sair na madrugada para pegá-lo na delegacia, este menino sofreu muito, mas deixarei que ele mesmo lhes conte sua história se ele tiver disposto. — aquela reunião havia sido muito inesperada, Jasson se sentia estranho, mas um novo garoto havia chegado, era sua chance de fazer um amigo. O diretor esperava, todos esperavam, mas o garoto não falou nada, ele simplesmente saiu do lado do diretor e caminhou passando pelas outras crianças até chegar em Jasson.

— Oi, me chamo Kael. Acho que teremos muito o que compartilhar em comum.

— Prazer, me chamo...— "Meta ou Jasson?" ele pensou. —Meta! Você é estranho.

O garoto tinha a mesma altura de Jasson e possuía os mesmos olhos escuros, porém com certeza eram mais tristes, ele era moreno e seu cabelo era cacheado. Eles apertaram a mão e sorriram, depois disso houve uma festa comemorando a chegada dele e no fim da tarde todos já estavam dormindo, mas ele não. Havia começado a chover, e ele estava na janela, olhando a chuva, como se fosse um reflexo de Jasson, como se pensassem igual.

— Você não acha estranho, água caindo do céu... a TV diz que muitas pessoas passam sede em outros países, eu não acho que seja verdade. Tem água caindo do céu.

— O diretor uma vez me disse que esta água é mandada por Deus, e que ele é o herói deste mundo. — Jasson respondeu.

— Meta, você acha mesmo que se existisse um herói como Deus o mundo estaria como está? Minha mãe morreu nesta noite... por isso ligaram para cá. A polícia falou que esta é minha nova casa. Onde está o Herói? — Kael parecia revoltado, zangado, mas contido.

— Kael, o mundo não é justo, é nosso dever torna-lo justo. — Meta falou. Sim, sem dúvidas aquele era Meta falando e não Jasson. Ele se aproximou de Kael que agora estava de cabeça baixa, e tocou seu ombro, então tudo ficou branco, como se uma luz o cegasse.

Jasson viu uma floresta, chamas, o céu claro, e ele era a luz que iluminava tudo, porém havia também uma sombra, uma sombra com silhueta humana, ele olhou ao redor confuso e viu que estavam brigando, ele era o portador da luz que lutava contra uma sombra.

—Por que você nos trouxe para esta época seu verme?! — A sombra gritou, arrancando e arremessando uma árvore nele. Mas algo estava errado, a voz da sombra, era a voz de Kael. Quando a árvore chegou bem perto a visão de Jasson voltou ao normal e Kael estava sorrindo para ele.

— Sem dúvidas Meta, é nosso dever tornar o mundo mais justo. — Kael falou sorrindo, Jasson estava muito confuso e assustado, que local era aquele que ele vira, e por que Kael era uma sombra? O que tinha acontecido? — Mas eu vou torna-lo melhor do meu jeito

A lenda dos trêsWhere stories live. Discover now