Realidade Cruel

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"Não há muito que dizer sobre mim, nada que vocês não já saibam. São poucas as pessoas que relatam sobre mulheres do meu tipo e nossa história, tampouco interessa para a população em geral. Tudo o que escutamos da sociedade são criticas cruéis e destrutivas, de como somos safadas, pistoleiras e na pior das hipóteses... putas.
Devo colocar em questão que a minoria de nós não é tudo isso, que temos nossas casas e filhos para sustentar, somos de todos, mas verdadeiramente, ninguém nos tem.
Não tenho filhos, não estou nesse ramo por vontade própria, se eu pudesse, já estaria do outro lado do mundo, mas o que posso fazer? Não tenho um lar, muito menos uma família, não passo de uma órfã abandonada na porta de um bordel. Respondam-me: que desalmada faria isso com sua filha? Condená-la a um destino desses? Que mãe faria isso com sua própria filha???

Eu a odeio.

Quero que queime no inferno pelo que fez comigo.
Mas um dia... Superarei meu fardo, deixarei essa vida e seguirei de cabeça erguida reescrevendo minha história.

Por incrível que pareça alguém resolveu olhar para nós, as menos favorecidas da sociedade, o que de fato é estranho, mas ninguém aqui se importa com isso. Como não tinha nada pra fazer; decidi escrever alguma coisa para distrair a mente, mas, com a autorização dos jornalistas, é claro.
Por hoje, estou feliz por escrever essa coluna falando sobre as prostitutas de Nova Orleans, não por ser melhor que as outras, mas por que distrair a cabeça com alguma coisa útil que me faça esquecer este inferno. Enquanto minhas colegas estão transando com os jornalistas da New York Times (é senhores, as putas daqui ganham destaque internacional), estou escrevendo sobre nós e isso me faz esquecer o que sou e minha profissão.
Meu nome é Solange Elliots, prostituta do Bordel Black Heart, próximo ao porto.

Pode me julgar pela profissão se quiser, mas antes que possa falar mal de mim, que tal pensar em uma maneira para me ajudar ou se colocar em meu lugar?"

Suspiro, com uma dor de cabeça horrível, massageando minhas têmporas com as mãos e pensando no quanto odeio tudo isso. Se eu pudesse fugir desse lugar, já o teria feito sem mesmo olhar para trás. O problema é que, pela lei, sou menor de idade e continuo sob a custódia das pessoas que me acolheram, ou fingira acolher. Apoio meus cotovelos sobre a mesa e escondo meu rosto entre as mãos, desejando dormir um pouco; já que o dia fora difícil. Tive que limpar todo o bordel, de cima a baixo, sendo supervisionada pelo desgraçado do encarregado.

Claro que ele deve ter um nome, mas não sabemos... pelo menos eu não sei, já que ele nunca dera intimidade a ninguém. Contra a minha vontade, ergo a cabeça e olho para o relógio, resmungando em silêncio ao perceber como o tempo voara e que tem alguém me esperando. Trabalho das 19h às 21h, mas não sou a favorita dos homens, segundo eles, por ser muito arisca.

Levanto da cadeira deixando o papel e a caneta sobre a mesa. Caminho lentamente ao quarto de numero oito, como de costume. As garotas daqui são instruídas a permanecerem no quarto para receber seus clientes; eu por outro lado, prefiro circular entre as pessoas, mesmo recebendo dos homens olhares maliciosos. Olho minha roupa, agradecendo a Deus por não ter muitos homens no salão, principalmente com a roupa que estou vestida: uma camisola de cetim vermelho e um robe surrado do mesmo material. Subo as escadas para o segundo andar, virando a esquerda, encontro meu quarto, que fica ao lado do escritório do bordel e coloco a mão na maçaneta, respirando fundo antes de abri-la por completo.

A silhueta familiar do homem me faz sorrir e fechar a porta. Assim que a fecho, sinto seus braços em volta de minha cintura, me abraçando com carinho. Lágrimas caem livremente por meu rosto e me vejo soluçando nos braços dele. O homem me leva até a cama e me coloca sentada, em seguida, senta ao meu lado e de maneira carinhosa, enxuga minhas lagrimas.

Esse homem chama-se Eddie Evans e em muitos critérios é meu anjo da guarda. Nos conhecemos quando ele me encontrou chorando próximo a uma lixeira e desde aquele dia mantivemos uma amizade sincera. Olho suas feições que revelam a beleza do homem atraente que já fora um dia: cabelos grisalhos e longos, chegando à altura do queixo; rosto oval; nariz arrebitado; boca perfeita e seus olhos verdes, que brilham em alegria com nossas conversas.

Às vezes fico a pensar sobre o motivo de sua amizade, se é sincera ou se possui outros interesses. Seja como for, não consigo odiar o homem que praticamente me criara desde que me conheceu, mesmo que à distância.

- Dia difícil? - pergunta, colocando uma mecha de meu cabelo atrás da orelha.

Dou um sorriso fraco, assentindo.

- O de sempre, Eddie.

- Você não pode suportar mais isso, Solange. Estão te matando aos poucos...

- Eu sei. - digo, mordendo o lábio. Desde que conheci esse senhor, as ordens recebidas do encarregado começaram a ser cruéis, chegando ao ponto de ser ameaçada, caso não parasse de vê-lo. Sempre o desafiei inúmeras vezes e paguei caro por isso, mas, se não fosse por incentivo de Eddie a desafiar o carrasco, talvez nunca tivesse concluído o ensino médio.

- Mas isso logo irá acabar. - digo a ele, lembrando-o que na próxima semana completarei dezoito anos.

Seu semblante mostra preocupação ao olhar pra mim.

- Será que eles vão permitir?

-Sim. Por lei, assim que eu alcançar a maioridade, nenhum deles terá influencias sobre mim. - exclamo com determinação, mesmo sabendo que não estou tão confiante assim.

- E o que vai fazer quando sair daqui?

- Vou começar procurando um lugar para morar, as outras coisas virão com o tempo.

Eddie sorri em aprovação e com carinho beija minha testa. Conversamos por meia hora, até ele se levantar e dizer que precisa ir. Triste com sua partida; levanto da cama e o acompanho até a porta do quarto. Ele para, virando-se para me olhar e retira de sua carteira mil e quinhentos dólares, estendendo o dinheiro para mim.

- Quinhentos é o que te devo por esta noite maravilhosa e os outros mil são para ajudá-la a encontrar um lugar para morar. - abro a boca para responder, mas seu olhar decidido faz com que eu me cale. Segurando minha mão, deposita o dinheiro na mesma e em seguida a fecha. - Não quero que pense mal de mim. Lembre que eu prometi te ajudar e seria um hipócrita se não cumprisse minha promessa. - sorrindo gentilmente, beijão topo de minha cabeça e se afasta. Segurando a maçaneta da porta, olha pra mim com interesse, fazendo sua pergunta rotineira: - Senhorita Elliots... Quanto vale seu beijo?

Dou uma risada, me perguntando quando o ouviria fazer essa pergunta.

- Desculpa Eddie, mas esse item não está à venda.

Seu Beijo... Minha Rendição (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora