- Nana, o Victor me bateu...

Engoli seco. Como assim?

Abaixe-me um pouco, para olhar bem nos olhos dela. Podia estar mentindo, afinal. Perguntei o porquê... ela só chorou e disse que ele era um homem mau. Insisti, e ela desviou o olhar. Saiu correndo. Suspirei, chateada. Era tudo que eu não precisava: adolescente rebelde em casa.

Mesmo assim, enxuguei minhas mãos e fui falar com Victor. Ele estava sentado no sofá, bebendo alguma coisa. Quando perguntei o que era, ele disse que era um Black Label, presente de um dos amigos. Aquilo me aborreceu, de verdade.

- Seus amigos podiam lhe arrumar um emprego também, ao invés de lhe incentivar a beber, não acha?

Victor levantou furioso do sofá. Disse que sou uma idiota, que não entendia nada de suas amizades. Se haviam lhe dado um presente era porque justamente estavam mirando o potencial dele, e logo uma porta se abriria. "Mulher burra!". Olhou-me com desprezo. "É por isso que é garçonete. Não entende de nada".

Acabei esquecendo o que iria lhe perguntar. Dei as costas e voltei pra cozinha. Segurei o choro, afinal, eu estava errada.

Os dias passaram, e não vi a tal porta que se abriria.

Estela não queria mais falar comigo. Estava ficando violenta, uma garota insuportável até mesmo com o irmão mais novo. Eu chegava do trabalho e já tinha que dar alguma bronca nela.

Comecei a reparar que Victor não estava mais em casa quando eu chegava do trabalho, e que só o via quando acordava. Lá estava ele. E nessa última manhã, a água foi cortada. Entrei em pânico.

- Victor, pelo amor de Deus... preciso que você arrume um emprego.

Ele disse que daria um jeito. Virou-se e voltou a dormir.

Pedi forças aos céus... eu não era eu mesma. Estava difícil reunir forças. Estava difícil encarar o mundo lá fora. Saí de casa com os ombros pesados. Não pedi arrego. Eu ia dar um jeito, Victor estava mal, coitado, mas eu tinha certeza de que ele jamais mentiria para mim. Quem poderia estar totalmente sob controle naquela situação? Qualquer homem se sentiria pressionado. Eu precisava ter paciência com ele.

A lanchonete estava lotada. Eram os turistas. Como odeio esses dias... Posso ganhar gorjeta a mais, porém tenho que aguentar gringos me chamando de gostosa. Alguns, difarçadamente, ainda tentavam passar a mão na minha bunda. Que inferno...

Acabei chegando mais tarde do que de costume.

Tirei o avental o joguei no sofá. Tirei o sapato e sentei um pouco. Senti o peso de tudo aquilo sobre mim. As contas atrasadas, meus irmãos vivendo aquela situação... e o Victor... Respirei fundo.

Como de costume, fui ver se meus irmão dormiam direitinho. Iggor dormia de cara no livro de matemática. Meu caçulinha... Ajeitei-o na cama e guardei o livro. Logo imaginei Estela. Torci para que ela não estivesse acordada e eu pudesse dar um beijo na testa dela. Sei que não vivíamos a melhor das situações... o meu amor, porém, seria o mesmo. Sempre. E sempre. Para sempre.

Entrei de mansinho no quarto dela de mansinho.

Ouvi um barulho estranho. Arfados...?

Estela estava com uma faixa na boca, chorando em silêncio, enquanto Victor mexia em seus seios que estavam apenas se formando. Ele estva com a língua de fora, extasiado. Nem me percebeu.

Senti-me tão...

Tão...

Eu gelei, até a alma.

No mesmo passo silencioso, fui até a cozinha. Peguei meu cutelo.

Victor agora tirava a calcinha dela.

Sentindo as lágrimas descerem queimando meu rosto, desci o cutelo no braço dele. Ouvi-o urrar alto. Empurrei Estela e a mandei correr e chamar a polícia. Minha irmã não pensou duas vezes. Victor olhou-me nos olhos e pulou sobre mim. Xingava-me de inútil, que aquilo tudo era culpa minha. Que se eu não fosse...

Forte?

Chutei-o no saco. Peguei o cutelo novamente e desferi o golpe na perna. O maldito achava que eu estava de brincadeira? Todo aquele tempo, com dó dele... acreditando que ele se esforçava. Acabando comigo mesma, por ele!

- É culpa sua sim! Quem manda não estudar? Agora só tem essa merda de salário de garçonete que não dá pra nada!

Tomei um soco na boca, que sinceramente, não doeu. Meu coração sangrava dentro de mim, de forma que acredito que jamais se recuperaria. Mordi a mão dele, até levar outro soco no rosto.

Descontrolei-me e pulei sobre ele. Eu não conseguia falar! Tudo me doía tão intensamente...

Eu fui chamada de burra, de idiota, de insensível... enquanto ele recusava emprego que não correspondia ao que ele desejava, enquanto ele bebia, enquanto ele abusava da minha irmã?

As palavras rodopiavam em minha mente. Toda a minha dor virou ódio, que se concretizava em golpes com o cutelo.

Não faço ideia de quanto tempo levamos naquela briga...

Quando a polícia chegou, eu ainda o socava, e ele tentava fugir. Não fui questionada. Estela estava com a faixa pendurada no pescoço. O nó estava apertado demais, ela só teve tempo de por a boca pra fora mesmo. E estava apenas de calcinha. Tremia e chorava.

Um dos policiais era uma mulher. Ela calmamente pegou uma manta e cobriu minha irmã e a retirou do local. Disse que eu ficaria bem.

Encharcada de sangue, meu e do Victor, eu contei o que aconteceu. Victor tentava ganhar no grito, me chamando de mentirosa. O imbecil não tinha entendido ainda que aquela tática não ia funcionar. Eu o vi ser algemado e preso.

Fui atendida por uma ambulância que tinha vindo junto da polícia. Alguém foi buscar meu irmão, que chorava.

Estela me olhava com os olhos brilhando. Só consegui balbuciar, com uma dificuldade imensa, por causa da dor das porradas, uma palavra... que veio acompanhada de uma enxurrada de lágrimas:

- Desculpe...

E pra minha surpresa, ela gritou:

- Nana, você é minha heroína!

Então, de repente...

Quer saber?

Obrigada, Victor.

Eu posso ter sido tola, mas esses dias acabaram. Obrigada por me fazer descobrir a mulher forte que sou.

***

So thanks for making me a fighter!


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