O Julgamento das Amazonas

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Eu não tive filhos ainda, mas com todos esses relatos, eu não pretendo deixar a ilha. Sei que essas enganadas esposas não sabem o que é liberdade. Nada podem escolher sem a devida "bênção de seus maridos". Desde criança são doutrinadas a abaixar a cabeça e aceitar. E por causa disso, eles não aceitam as amazonas.

Querem nos destruir a todo custo. Pois que venham.

Afiamos nossas espadas todas as manhãs.

Sabemos de nossa luta. É diária, talvez eterna. E iremos agir assim, enquanto for necessário. Mulheres do mundo todo ainda saberão de nós e aprenderão a defenderem-se. Até lá, nós lutamos. Nos banhamos em sangue. Parimos guerreiras e seguimos honrando nosso templo.

- AMAZONAS, ATENÇÃO!

Largamos tudo que estávamos fazendo para olhar para a general. Ela tinha um rasgo horrível no peito. Não parecia notar.

- NOSSOS INIMIGOS ESTÃO À LESTE. ESTÃO TRAZENDO SEUS MAGOS E ARQUEIROS. QUERO CADA UMA DE VOCÊS EM FÚRIA! ENTENDERAM? EM FÚRIAAAAAAAAAAAAA!

Gritamos, todas juntas, reacendendo as chamas em nossos corações.

Somos todas por uma, até mesmo em nome de camponesas que apenas erguem ancinhos. Somos todas por uma, até mesmo em nome daquelas que nunca tocaram uma espada. Somos todas por uma. Todas. Dormimos naquela noite, abraçadas em nossos escudos e nossas armas.

Algumas nem mesmo retiraram o elmo. A armadura pesada nem incomodava mais. E quem precisa de banho, quando o sangue dos inimigos lhe cobre o corpo, trazendo o cheiro doce de vitória? Eles morrem de medo de nossos gritos! Ahahah... haha....

Acordamos com Diana nos chamando. Sobre sua égua, agora com armadura completa, nos chamava para a próxima marcha.

- VITÓRIA OU MORTE!

Não gostei de como aquilo soou, mas era nossa sina.

Seguimos em nossas éguas, insanas. Nosso café da manhã eram as frutas que encontramos em nossas abençoadas árvores. Temos um lar tão próspero e verdejante... Ó Deusa, eu agradeço. Sei que existe e que luta por nós. Pois que faça de meu corpo seu instrumento!

Ao avistar aqueles imundos subindo em nossas praias, defecando em nosso solo... ah, não teve perdão.

Minha flecha assobiou no vento gelado, até que entrasse em sua espinha desnuda. Pegamos os invasores de surpresa. Descemos a colina somente depois que esgotamos nossas flechas. Nossas bruxas ficaram para trás. Elas invocavam um ser das águas profundas. Aqueles navios que ainda estavam para chegar jamais teriam a simples visão de nossas espadas, de nossas lanças.

Troquei o arco pela lança. Estava pronta para atravessar um babaca que matava uma das minhas...

Diana desceu de sua égua, puxou o homem do cavalo, jogou-o no chão e pisoteou seu rosto até que se transformasse numa massa disforme. Bradou alto, para que ficasse bem claro quem somos:

- RIAM MAIS, E TEREI MAIS PRAZER EM FAZER DE VOCÊS ADUBO PARA A TERRA!

Vi muitos fechando a cara. E foi a oportunidade perfeita para nossas bruxas atacarem. A terra tremeu, mas foi no mar que o espetáculo aconteceu. Baleias enormes trombaram nos navios, até que quebrassem... e afundassem. Aqueles que estavam em terra não podiam voltar para casa. Enlouquecemos de vez. Meu corpo aqueceu como nunca senti antes. Em minha mente, só havia a imagem de nossa Majestade, nos abençoando. Eu corri. Dilacerei.

- PELA DEUSA! POR NOSSAS TERRAS! POR NOSSA LIBERDADE!

Finquei a lança com tanta força, até que ela se partiu. Larguei-a e peguei minha própria espada. Não tinha tanta habilidade com ela, mas serviu bem. Uma de nossas guerreiras trouxe fogo e óleo para banharmos nossas armas. Cada golpe era um espetáculo de pirotecnia.

Vi homens se lançando ao mar, pedindo perdão, chamando seu deus, clamando pela vida.

Nos chamavam de demônias. Invadimos os navios quebrados, que estavam ancorados. Arrancamos seus padres de lá, que diziam que nunca teríamos salvação por não nos rendermos a eles. Foram decepados num único golpe. Não precisamos de pregação.

A luta foi além.

Algumas marcharam para o outro lado da praia, pegar os malditos que tentavam entrar sorrateiros. Estavam tão loucos quanto nós, mas nossos objetivos eram totalmente diferentes. Queríamos nossa paz. Eles queriam nossos corpos, nossas terras, nossos ouros.

Matamos todos, menos um que conseguiu fugir de volta para seu barco. Como estávamos sem flecha, tivemos que deixa-lo ir. Certamente voltaria, com mais camaradas. Afinal, alguém sentiria falta daqueles milhares de homens que destroçamos. Demos as costas, o sol já estava se pondo.

Foi quando senti a pontada atravessar meu peito... O infeliz ainda teve a chance de me acertar, mesmo tão longe...

Caras irmãs, sei que somos brutas. Sei que nós, amazonas, temos métodos muito diferentes dos seus, mas por favor, entenda: Nós estamos defendendo o último Templo da Deusa na Terra. A última sabedoria feminina. Lutamos para que todas as mulheres possam viver, só que infelizmente estamos em desvantagem... e isoladas do mundo.

Imagino que você não faça ideia de porque uma mulher se isolaria de tal forma, e ainda construiria uma comunidade... não, um país, como o nosso! Somos a resistência. Somos aquelas que lutam por todas. Somos a prova de que você não é um objeto a ser usado e jogado fora.

Você não é uma peça de um jogo.

Morro hoje, mas sempre haverá uma nós, em algum lugar... Quando um dia sofrer, e por algum motivo rirem ou diminuírem sua honra... Lembre-se que todos somos uma. E também há uma amazona em você.

***

Abençoadas sejam aquelas que lutam

Que morrem

Abençoadas sejam aquelas que nos removem das prisões

Que sejam eternas em nossos espíritos

Gratidão

Amazonas!

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