Capítulo 14 -Lual e lembranças

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A noite tinha aquele cheiro salgado que grudava na pele. O sol já tinha sumido há um tempo, mas o calor ainda rondava como se tivesse ficado preso no ar. O dia inteiro eu e o Kaio trocamos olhares que não deveriam ser trocados. Daqueles que queimam. Daqueles que qualquer um perceberia se não estivéssemos nos controlando tanto.

Eu nem sabia dizer se o que eu sentia era vontade, medo ou arrependimento. Provavelmente os três ao mesmo tempo.

Quando o Higor apareceu na porta do meu quarto com o violão pendurado no ombro e um sorriso maior que ele, eu já sabia que vinha ideia absurda.

— Lipe, junta todo mundo lá fora. Hoje vai ter lual! — Ele anunciou, como se estivesse inventando o evento do século.

— Agora? — perguntei, meio cansado, meio sem paciência.

— Agora. A brisa tá boa, o céu tá limpo e eu tô inspirado. — Ele piscou, depois completou: — E você tá precisando de um clima mais suave. Tá com cara de quem brigou com o travesseiro.

Se ele soubesse...

Veronica e a namorada já estavam arrumando umas cangas, rindo e comentando alguma fofoca inútil. Kaio estava encostado na parede da varanda, braços cruzados, usando uma camiseta leve que deixava o peito marcado e os ombros largos à mostra. Ele até tentou disfarçar, mas quando olhou pra mim, aquele micro-sorriso escapou. Aquele sorriso que só eu sabia o significado.

E esse foi o motivo exato de o meu estômago virar.

Caminhamos todos juntos até a praia. Era só atravessar as dunas e pronto: a areia fria, o barulho das ondas e o escuro azul da noite esperavam por nós. Higor acendeu uma fogueira pequena, dessas improvisadas, e sentou-se no meio de todo mundo, afinando o violão.

— Beleza, vocês vão ouvir uma obra de arte, — ele avisou, confiante demais.

Eu sentei numa canga ao lado de Veronica, mas meu foco estava... bom, estava um pouco além. Kaio sentou atrás de mim, numa distância segura, mas eu sabia que não era segura coisa nenhuma. Eu sentia o olhar dele no meu pescoço, nos meus ombros, no jeito que eu respirava.

E isso era o problema.

Higor começou dedilhando uma melodia doce, meio melancólica. Quando reconheci, fechei os olhos imediatamente.

— Essa se chama "Medo bobo" — ele anunciou.

Ah, pronto.

A primeira frase da música bateu direto no meu peito como um soco:

"Ah esse tom de voz eu reconheço...
Mistura de medo e desejo
To aplaudindo a sua coragem de me ligar
Eu pensei que só tava alimentando
Uma loucura da minha cabeça
Mas quando ouvi sua voz
Respirei aliviado
Tanto amor guardado tanto tempo
A gente se prendendo à atoa
Por conta de outra pessoa"

Eu engoli seco, tentando enganar a mim mesmo.

Kaio não falou nada, mas eu vi pela minha visão periférica o jeito que o corpo dele ficou mais rígido, como se estivesse absorvendo a letra pela primeira vez. Ele era mais velho... provavelmente nunca tinha parado pra ouvir essa música. A expressão dele era de alguém que levou uma pancada emocional sem esperar.

Higor continuou, todo entregue:

"É, e na hora que eu te beijei
Foi melhor do que eu imaginei
Se eu soubesse tinha feito antes
No fundo sempre fomos bons amantes."

Eu me remexi na areia, desconfortável.

Kaio ajeitou as mãos nos joelhos e suspirou, baixo, quase imperceptível. Só que eu percebi.
Percebi tudo.

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⏰ Last updated: Dec 04 ⏰

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Teu Nome na Areia (Romance gay)Where stories live. Discover now