O Laço Inesperado

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A vida tinha retomado a cor, mas a rotina ainda era um equilíbrio instável. Com Mariana de volta, a casa não era mais a mesma, e nem eu. O buraco que estivera em meu coração, imenso e incalculável, tinha enfim desaparecido, substituído por um contentamento que eu nunca soubera ser possível. O trabalho na empresa continuava, mas já não me consumia. Meu foco estava aqui, em nós — no detalhe do hálito de Mariana pela manhã e no som das meninas rindo.

Nossa relação se estabeleceu sobre uma nova base: parceiras e amantes. Mas o mundo exterior ainda existia. Havia Juan Carlos e, inevitavelmente, Tere — a mãe de Mariana. Eu precisava encerrar esses ciclos para que nós duas pudéssemos avançar sem culpas. Era uma questão de coerência emocional.

O primeiro a surgir foi Juan Carlos. Ele apareceu em casa para buscar Cecília e Rodrigo, e a cena era, no mínimo, insólita. Eu o observava parado na sala, enquanto Mariana estava com Regina no colo, que brincava com um de seus colares. A mão dela na minha coxa, visível e firme. Aquele gesto singelo de posse e afeto me dava a força que eu precisava. A Ana Controladora notou: o corpo dele estava tenso, as mãos nos bolsos, e ele evitava o contato visual direto comigo.

— Ana — ele começou, a voz cautelosa.

— Juan Carlos — respondi, cem por cento focada nele. Eu não sentia raiva, apenas uma distância fria, como se ele fosse uma memória desbotada. O que me ligava a ele era apenas o laço dos nossos filhos.

Ele olhou para Mariana, depois para a leveza que exalávamos. O olhar dele pousou no meu rosto, buscando vestígios da Ana que chorava por ele. Não achou.

— Você está diferente. Mais... leve.

Meus lábios se curvaram em um sorriso seco. — A vida tem dessas coisas. As consequências das más escolhas batem na porta, e você tem que se render. Eu me rendi ao que é certo para mim.

Ele suspirou — o som da derrota. A certeza do que foi feito seria de difícil conserto, mas ele estava lidando com as consequências. Eu o observava com curiosidade analítica, notando que ele parecia menor, menos imponente, sem a minha raiva para alimentá-lo.

— Eu só quero que você seja um bom pai para nossos filhos e que consigamos sobreviver com esse único laço que nos liga — declarei, com a voz pragmática, sem emoção. Eu havia me convencido de que o que senti por ele não era amor, e estava feliz com essa conclusão. Era uma libertação — o alívio de uma responsabilidade que sempre fora maior do meu lado do que do dele.

— E eu quero que você seja feliz, Ana. De verdade.

Ele aceitava. Aquele era o fechamento do meu casamento: sem rancor, apenas aceitação da nova realidade. A Ana que fora traída estava, finalmente, indiferente.

O encontro com Tere foi inevitavelmente mais tenso. Foi em um evento da escola de Cecília, e eu estava ao lado de Mariana. A mãe dela, a "abuelita", me encarou com a mesma intensidade de quando eu havia feito o maior escândalo no batizado das meninas. Meu corpo reagiu com um pequeno arrepio — uma lembrança instintiva do trauma —, mas a mão de Mariana na minha lombar era a minha âncora. Eu podia sentir o calor dela através do tecido, uma barreira contra o passado.

— Mamãe — Mariana disse, a voz cheia de autoridade. — Que bom que veio.

Tere me olhou de cima a baixo. Eu estava com meu vestido mais elegante, maquiagem leve e um sorriso forçado, mas genuíno. A Ana de antigamente teria iniciado a guerra; a Ana de Mariana precisava de paz.

Hola, Ana. Parece bem.

— Nunca estive melhor. Sua filha me fez muito bem.

Tere desviou o olhar. Minha mente, sempre analítica, percebeu a culpa em seus olhos. A situação de Tere — dividida entre a filha e o homem que a traiu — era complexa. Eu não podia mais ter ódio. Eu estava quite com a vida, mas meu lado racional reconheceu que Tere era tão prisioneira da paixão quanto Juan Carlos fora do próprio ego. Eu a olhei, lembrando da doçura que Mariana emanava, e percebi de onde vinha sua capacidade de amar.

— Mariana me contou sobre a volta. Fico feliz. Ela merece ser feliz.

Aquela frase me desarmou. A mãe da mulher que eu amava — a ex-amante do meu ex-marido — estava ali, reconhecendo o meu amor por sua filha. Foi um choque de maturidade que eu não esperava. Eu a olhei e senti uma pontada de empatia por ela.

— Eu também mereço. E estou lutando por ela — respondi, o orgulho de pertencer a Mariana era palpável. Eu estava determinada.

A conversa não durou muito, mas foi suficiente. Tere aceitou a felicidade da filha, e eu aceitei que os laços que nos unem são, por vezes, mais complicados do que pensamos. Eu não precisava mais ter ódio. O esforço de não sucumbir ao meu temperamento valeu a pena.

Mais tarde, à noite, deitada com Mariana, sentindo a respiração suave dela em meu rosto, eu refleti. Traçava com os dedos o contorno de seu ombro — o gesto era de pertencimento.

— Eu nunca pensei que perdoar a sua mãe seria tão... leve. A Ana Controladora odiaria admitir, mas o descontrole me trouxe paz. Eu a amo, Mariana. Não só a amo, como sinto falta, completamente.

Mariana me beijou — um toque suave e íntimo.

— Você está deixando de ser a Ana Servín que não é fácil, que não é dócil, para ser a Ana que eu me apaixonei. Coragem, mi amor. Isso é coragem.

Eu a abracei, sentindo a maciez da sua pele. O que me fez ter mais coragem do que nunca? O alívio dos exames, que me deu a certeza de que havia tempo. O amor de Mariana, que me fez vulnerável. E a percepção de que a vida voltara a ter cor.

Eu estava no lugar certo. A Ana Servín estava, finalmente, em paz.

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⏰ Last updated: Oct 20 ⏰

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