Camila sempre foi acostumada a manter tudo sob controle - olhar sério, postura impecável e uma confiança que parecia inabalável.
Mas o que acontece quando o que tá dentro transborda? Quando a queda vem justamente no meio da maior oportunidade da car...
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Gabi Guimarães – Point of View
Enfrentar a Itália estava longe de ser fácil. Em nenhum de nossos confrontos anteriores havíamos levado a melhor. A seleção italiana continuava invicta. E isso era o bastante pra tirar a minha paz antes mesmo do jogo ser iniciado.
Sei que pra Camila seria ainda mais difícil, até porque é a sua outra nacionalidade. País onde sua mãe nasceu. Time que por pouco não conseguiu levá-la de nós. Levá-la de mim.
No vestiário, enquanto o barulho da torcida começava a invadir pelas paredes, tentei disfarçar minha própria inquietação. Eu já havia aprendido, como capitã, a esconder minhas inseguranças. Mas a cada vez que olhava para Camila, sentia que ela também lutava contra fantasmas que só ela conhecia.
Ela mexia nos cadarços dos tênis com uma calma quase ensaiada, mas a rigidez dos ombros a entregava. E, de alguma forma, eu queria estar ali não apenas como capitã, mas como alguém que pudesse dividir aquele peso.
— Tá pronta? — perguntei baixo, apenas pra ela ouvir.
Camila ergueu os olhos, e o que vi neles não foi medo. Foi um tipo de fogo que eu reconhecia bem, porque já havia ardido em mim muitas vezes: o desejo de provar, de se firmar, de não deixar espaço pra dúvida.
— Mais do que nunca — respondeu, firme.
Senti um arrepio correr pelas costas. Era estranho, mas naquele instante a pressão que eu carregava como capitã parecia menos sufocante. Como se bastasse ter ela do meu lado para lembrar que não precisávamos enfrentar sozinhas.
Olhei ao redor e só conseguia ouvir a respiração das meninas sincronizadas, cada uma buscando seu próprio jeito de lidar com o peso da noite.
Eu me levantava de tempos em tempos, caminhando de um lado pro outro, como se assim conseguisse esvaziar a cabeça. Mas não conseguia. A imagem das italianas, erguidas em nossas memórias como um muro impossível de atravessar, me perseguia a cada passo.
— Bora, Brasil! — a voz firme do staff ecoou, chamando a gente pra fila.
Foi então que o frio no estômago apertou de vez. A luz do túnel já estava acesa, e logo atrás de mim Camila ajeitava a camisa dentro do short, respirando fundo. Eu podia ouvir. Cada expiração dela parecia misturar-se à minha, como se de algum jeito dividíssemos aquele fardo.
Quando a porta do túnel se abriu, o som explodiu. Gritos, buzinas, tambores — a massa brasileira vestida de azul e amarelo fez o chão tremer. Um calafrio percorreu minha espinha com o lembrete de que haviam sido criadas muitas expectativas, mas ao virar a cabeça e ver Camila logo atrás, com os olhos fixos na frente e o maxilar travado, algo dentro de mim se acalmou.
Era como se a coragem dela me emprestasse um pouco de ar.
Caminhamos lado a lado pelo túnel, e no instante em que pisamos na quadra, a claridade quase me cegou. A quadra parecia mais imensa do que nunca, e ainda assim, de algum jeito, me senti menos sozinha.