008 | Saquarema

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Camila Antunes – Point of View

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Camila Antunes – Point of View

A estrada até Saquarema era cercada por verde e silêncio. Dava pra ouvir o mar ao fundo em alguns trechos, e eu sentia aquele misto de nostalgia e ansiedade.

Estive fazendo esse mesmo caminho mais de uma década atrás. Quando a categoria ainda era base, quando tudo era só um sonho distante. Mas agora… as coisas ficaram mais sérias.

Seleção adulta.

Esse título carregava um peso diferente de todos os outros. Era mais que uma conquista. Era um chamado.

O motorista que a confederação tinha reservado pra me buscar no hotel era o mesmo que costumava fazer algumas viagens com o Sesc, quando eu ainda jogava por aqui.

—Te ver assim crescida me dá um orgulho, Antunes — Marcos falou enquanto fazia uma curva, os olhos presos na estrada. — Lembro quando você ficava acordada a viagem toda assistindo vídeos da seleção. Agora você faz parte de tudo isso.

—É tudo tão surreal, Marcos — murmurei, baixando o olhar pras minhas mãos entrelaçadas. — Tá aqui ainda parece um sonho. Tenho medo de acordar e ser mentira.

—Não é sonho, não. É teu momento.

Ele disse isso sem drama, mas as palavras entraram fundo. Respirei fundo. O mar apareceu à nossa esquerda, e o portão do CT surgiu logo depois, simples, limpo, familiar. Uma estrutura que, de alguma forma, me fazia lembrar quem eu queria ser.

O segurança me reconheceu e abriu o portão com um sorriso contido.

—Bem-vinda de volta, Camila.

Engoli em seco.

Voltar.

Mas dessa vez como oposta da Seleção Brasileira adulta.

Desci com minha mochila nas costas e uma mala só. O mínimo necessário. O suficiente pra aguentar o peso do crachá que ganhei na recepção:

Camila Antunes – Oposta.

Meu nome, o brasão da CBV, e um peso que eu só começava a entender.

No quarto 214, as  camas ao lado já estavam ocupadas. Blusas da Seleção pendurada na cadeira, chinelos jogados no canto, mochila preta encostada no armário.

Aninha e Júlia Bergmann.

Dei um meio sorriso. Aquela energia caótica e divertida delas era tudo que eu precisava pra quebrar o gelo, mesmo que elas ainda não estivessem por ali.

Larguei a mala no canto, me joguei de costas na cama e fiquei olhando pro teto branco, escutando só o som da brisa do mar do lado de fora.
Respira. Você chegou.
Mas chegar não é o final. É o começo.

O refeitório estava cheio, mas o silêncio era respeitoso. Conversas baixas. Muita gente com fone de ouvido, outras apenas focadas no prato.

Eu era a novata.

Ou, pelo menos, a mais recente. Aquela que tinha história nos clubes, mas nenhuma convocação no currículo.

Peguei uma bandeja e tentei ignorar os olhares que vinham de canto. Nada agressivo. Só… curiosos.

—A cara da calma, hein? — reconheci a voz da Rosamaria se aproximando.

Ela colocou a bandeja do meu lado, já com um sorriso que misturava zoeira e acolhimento.

—Na primeira vez ninguém fica tranquila. Na segunda também não.

—Imagina na terceira — completei, rindo fraco.

Rosamaria riu de volta e deu um tapinha leve no meu braço.

—Você vai curtir. Só não deixa o Zé ver que tu tá travada. Ele tem radar pra isso.

—Bom saber — murmurei, mordendo a maçã. — Onde o pessoal tá sentado?

—Macris e Gabi tão ali do lado esquerdo. Kisy e a Helena chegaram ontem. A Julia Bergmann chegou de manhã. E a Ana Cristina tá… bom, tá em todo lugar ao mesmo tempo.

—Ah, normal — sorri. Só de imaginar a Aninha batendo papo com metade do elenco, já me senti mais leve.

Rosamaria me guiou até uma das mesas. Kisy levantou e me abraçou de leve.

—Bem-vinda, mulher. Finalmente! A gente tava te esperando.

—Obrigada — falei, surpresa com o calor dela.

Sentei ao lado da Ana Cristina, que já foi puxando assunto como se a gente não tivesse conversado ontem a noite.

—Já te deram o mapa do CT ou cê tá perdida, Cah?

—Tô fingindo que sei o caminho — respondi, fazendo ela rir.

—Boa. Finge com convicção que dá certo.

Julia Bergmann e Helena estavam na mesa da frente, conversando com a Marcelle e a Kika. Diana e Lana entraram logo depois, com cara de quem ainda não acordou completamente. O ambiente era sério, mas não pesado. Era… profissional.

Mas eu sentia cada célula do meu corpo tentando se acostumar com aquilo.

Foi quando olhei pro outro lado do refeitório e vi.

Ela.

Gabi Guimarães.

Cabelo preso, camiseta da Seleção, rindo de algo que a Roberta tinha falado.
Ela parecia leve. Ou fingia bem.

Nos nossos olhares, não teve reencontro. Não naquele momento. Mas teve uma corrente silenciosa. Um arrepio.

Ela sabia que eu estava ali.
Eu também sabia. Sempre soube.

Rosamaria cortou o fio invisível com um comentário sobre os treinos da tarde.

—O Zé vai puxar físico e quadra. Quer ver a galera em ritmo. Se prepara, Antunes.

—Tô pronta, Pink.

Falei antes mesmo de pensar.
Como se dizer isso em voz alta fosse me convencer.

Mas o uniforme pesava.

E o olhar dela, mesmo de longe, pesava ainda mais.

POR TRÁS DO ATAQUE - Gabi Guimarães Where stories live. Discover now