Introdução

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Sob os lençóis, esforçando-se para conter o riso, as duas garotas prosseguiam com seus olhares curiosos sobre o papel amarelado.

— Deixa-me continuar! — A mais velha reclamou e sorriu largo. — "A mão vigorosa e inclemente ascendeu pela perna suave e alva da outra até alcançar a polpa, comprimindo com firmeza e urgência." — Leu, ouvindo um grito contido, vindo da garganta da loira ao seu lado. — "'Neste dia, finalmente te tornarei mulher... Minha mulher', proferiu a voz grave aos ouvidos, arrepiando cada poro do corpo abaixo dele. Celina sentia-se derreter em excesso".

— Pare, por favor! — Solicitou a outra com urgência. Segurava a lanterna, cuja luz iluminava as páginas, mas também revelava seu rosto, que estava ainda mais avermelhado do que o habitual.

— O que aconteceu agora, Lena? Dessa forma, nunca conseguiremos terminar o livro. — Respondeu Eulália com insatisfação notável. — Preciso devolvê-lo à estante da Isabel; se ela descobrir que eu o peguei, vai me matar!

Helena recolheu-se e removeu a coberta que cobria suas cabeças, inspirando profundamente enquanto se girava até que as costas repousassem no confortável colchão. Reclinadas em seu espaçoso aposento, era possível perceber, naquele instante, a luminosidade da Lua que se fazia presente, infiltrando-se com suavidade através da abertura da janela no segundo andar do enorme casarão.

— Não consigo mais escutar hoje... estou desconcertada. Eles irão... você sabe, Lia! — Expressa, ocultando seu rosto com as miúdas, claras e delicadas mãos.

Pimentel sorri travessa, quase diabólica, encarando as reações alheias. Por motivos que lhe eram peculiares, havia um apreço notável naquela experiência. A ansiedade palpável da mais jovem, a tonalidade rubra que adornava sua pele, denunciava com uma clareza óbvia as emoções que lhe afloravam no peito. Seja pelo brilho revelador em seus olhos ou pelo rubor evidente em suas bochechas, Eulália Rosa possuía a habilidade natural, de desvendar os sentimentos mais íntimos de Maria Helena, interpretando-os com uma precisão que transcendia o mero acaso.

— Qual é o problema? — A garota de longos cabelos enrolados e negros questiona, ainda de bruços. — Eles estão unidos em matrimônio, desfrutando de sua noite de núpcias. É dito que este é um dos instantes mais marcantes. "O matrimônio só é consagrado após consumado." — Ela zomba das palavras proferidas pela freira que ensinava os jovens sobre a bíblia.

— Ainda assim. — Responde, e um o silêncio se instaura.

Por um período extenso, ambas permaneceram imersas em um olhar fixo. Helena, olhava para o vazio acima delas, e a outra, ainda tinha os olhos na loira. O silêncio do ambiente era quebrado apenas pela respiração carregada de tensão da mais jovem, que ressoava com uma intensidade palpável, pois se caso fosse possível ler pensamentos, certamente se revelaria um tumulto de vozes e ruídos internos, um verdadeiro caos mental que ecoaria com uma força avassaladora.

— Como deve ser a sensação? — Volta a falar, indagando em tom baixo, quase receoso.

Eulália encolhe os ombros, virando-se como a outra, tendo os amendoados olhos encarando o teto sem cor, ponderando a respeito, enquanto colocava os pulsos por debaixo dos fios escuros de sua cabeça e então rejeita com uma expressão de desgosto.

— Parece ser terrível. — Ela declara, e a outra a encara instantaneamente, com os enormes e azulados olhos surpresos.

— Terrível? Mas... de maneira alguma! — Diz com a voz injuriada. — Já lemos livros que tinham isso! Dizem ser magnífico! Ouvi meu pai conversando com um amigo, e ele parecia extremamente contente. — Ela assegura.

A mais velha encara a caçula da família Castellani com um olhar firme e expressão de discordância.

— Eu não concordo. — Declara, desafiando a posição da outra.

— Como pode afirmar isso? Você nunca vivenciou tal experiência! — A loira acusa, virando-se de lado, com toda a sua atenção voltada para Pimentel.

— Não é necessário vivenciar para ter conhecimento. — Responde com insolência, imitando os gestos da outra, voltando-se completamente para a mesma. — A mera ideia de ter um homem sobre mim dessa forma... é repulsivo!

— Você não deveria dizer tais coisas, Lia! E quanto ao seu futuro esposo?

— E quem disse que desejo um? Não pretendo me casar. Irei estudar e possuir minhas próprias conquistas.

— Isso não é certo! Você deve se casar. Quem cuidará de você? Quem proverá o sustento do lar? E os filhos? Toda mulher nasceu para ser mãe e esposa. — Um discurso que se repetia em sua cabeça, desde que entendeu que havia nascido mulher.

Eulália encolhe os ombros mais uma vez.

— Eu não. Não almejo ter filhos. Ao menos não de minha barriga. E certamente não quero um homem repugnante chegando em casa e presumindo que pode me dominar. — Ela diz com irritabilidade e volta a se deitar, fitando nada em específico.

Helena procede de maneira similar, suspirando novamente. Ela ansiava pelo casamento. Desejava ter filhos. Contudo, nunca conseguiu experimentar os sentimentos arrebatadores que os livros descreviam. Talvez fosse ainda muito jovem... seu primeiro sangue nem havia descido ainda. Apesar de ter quinze anos, se sentia uma criança.

Um Mil Novecentos e Vinte - SáficoWhere stories live. Discover now