— Bom dia? São duas da tarde, não é nada cedo. Você passou uma mensagem ontem, não lembra?

Balancei a cabeça sentindo meu estômago embrulhar. Peguei uma garrafa de suco de laranja dentro da geladeira. Ela me estendeu o celular para ouvir o áudio onde comecei falando e depois cantei um trecho de uma música antiga da Wanessa Camargo, que eu odiava, diga-se de passagem.

Meninas, queria tanto que estivessem aqui. O universo desmoronou na minha... cabeça, meu mundo caiu. O mundo caiu no instante em que eu / Me vi sem você / Eu não me toquei, eu só acreditei / Que o amor fosse fácil... não é fácil. Meu pai, meu próprio pai, ele ofereceu a parte dele no hospital, tudo que ele tinha, para Fernando casar comigo. Yuri veio aqui e me contou tudo...

Interrompi o áudio que mais parecia um podcast de tão grande, além do mais, a minha voz estava chata, fanhosa e minha fala embolada, típica de uma bêbada sem noção.

Wanessa Camargo? Que vergonha, Sue.

— Não vai ouvir o resto?

— Não, obrigada.

Comecei a chorar e ela me estendeu os braços.

— Oh, amiga, sinto muito. Vocês pareciam tão felizes. Não acho que ele tenha levado em consideração o que Saulo disse. Fernando te ama, isso tá na cara. E quanto ao seu pai, você sabe que ele não estava batendo bem das bolas. Ele achou que fosse morrer, só queria garantir que você seria feliz.

Levantei a cabeça do seu ombro e fui para o sofá com a garrafa na mão.

— Claro, eu ia ser muito feliz sendo vendida.

— Ele foi meio sem noção, mas quanto ao Fernando...

— Não fale o nome dele.

— Ele veio aqui saber como você estava.

— Não quero saber. Não quero saber nada sobre ele, nada.

— Ok, não está mais aqui quem falou.

Peguei meu celular e comecei a ouvir as mensagens do grupo. Lizie achava que eu deveria fazer Fernando sofrer, e quanto ao meu pai, nunca mais falar com ele na vida. Júlia disse que nem sabia o que dizer.

— Não vai falar com o Saulo?

— Não.

— Certo. Deveria comer alguma coisa, fiz uma sopa de capelete, sei que você adora, e vai ser bom para a ressaca.

— Obrigada, amiga — agradeci enquanto digitava uma mensagem para o Dr. Saulo, meu pai.

Não tem como expressar o quanto estou triste e decepcionada. Não quero falar do assunto, não fale comigo, não venha aqui, não quero ver você.

Ele visualizou e demorou a responder.

Pai: Sinto muito, filha, só não esqueça que eu te amo. Esse foi o único motivo, só queria o melhor para você.

***

Na segunda-feira, tive vontade de continuar na cama. Não dormi nada a noite toda, sentia falta do corpo que me abraçava pela cintura durante a noite, do peito que servia de travesseiro. Quando acordei do pouco que dormi, senti falta do beijo de bom-dia. Na hora do café da manhã, senti falta do cheiro de café na minha cozinha. Estava tudo uma merda.

Quando estava indo trabalhar, olhei pela fresta da porta para não encontrar com ele ao sair. Quando vi que estava livre, corri para as escadas para não ter perigo de ele aparecer de repente. Caminhei para o trabalho sentindo que o mundo estava estranho. O dia estava lindo, e isso me irritava pra caralho.

Durante três dias, se Fernando vinha na minha direção no trabalho, eu logo tratava de correr para o lado oposto. Ele também não parecia querer falar comigo, percebi isso quando entramos no elevador do hospital, ele estava no andar de baixo, não me deu boa-tarde, nem olhou na minha direção, isso me irritou da mesma forma que me magoou. Eu o observei vestido em uma camisa social no tom azul-escuro e calça clara, sapato social, e parecia tão calmo e relaxado que cheguei a sentir raiva porque eu estava nervosa, minhas mãos suavam, meu coração estava quase saindo pela boca.

Ele estava lindo enquanto eu estava acabada, com olheiras por falta de dormir e chorar o tempo todo. Apertei o botão do andar seguinte e desci nele. Corri para as escadas e fui para o terraço em busca de um pouco de ar. Isso depois de tropeçar nos meus pés e jogar o scarpin rosa para longe. Uma pessoa me ajudou a levantar. Peguei os sapatos e subi com ele entre os dedos. Era meio da tarde ainda e eu precisava voltar para o trabalho, mas não consegui. Sentei-me no lado mais afastado onde tinha uma árvore e me deixava meio escondida. Três enfermeiras sentaram à mesa perto da entrada e começaram a conversar.

— Fiquei sabendo que ele foi demitido.

Não estava interessada na conversa, até a frase que veio a seguir.

— Gente, a filha do chefe com aquela cara de santa, hein?

Franzi o cenho e me escondi mais ainda, porque certamente estavam falando de mim. Quem foi demitido?

— Oi, qual é a fofoca da vez? Vocês não sabem fazer nada além de fofocar? — perguntou uma moça que tinha acabado de chegar.

— Você reclama, mas sempre quer saber.

— Sue, a filha do Dr. Saulo, traiu o Dr. Fernando com o Dr. Yuri. Doutor Fernando descobriu e veio tirar satisfação com o Dr. Yuri, ele já chegou metendo a porrada no bonitinho. Precisava ver, Doutor Yuri manja das artes marciais, baixou o Jackie Chan nele e foi uma briga feia. Ai, eu estava falando que a filhinha do chefe só tem cara de santa, maior safada.

Senti meu rosto queimar, até me movi para avançar nela, mas parei, queria ver até onde elas iriam. Todo mundo estava sabendo, menos eu?

— Gente, vocês não têm o que fazer não? Sue é tão gente boa, mesmo que ela tenha feito isso, não é da conta de ninguém.

— Doutor Yuri disse que vai processar o hospital.

— Tem certeza que esse foi o motivo da briga?

— Na minha opinião, vocês não deveriam ficar fofocando sobre isso. Esse é o nosso local de trabalho, gente, se isso vazar por aí estamos ferradas. Vocês não têm medo de serem demitidas por espalhar fofoca sobre a filha do chefe? — perguntou a menina que estava me defendendo. Puxei um galho da árvore para ver quem era.

— Só se você for dar com a língua nos dentes e contar que estamos falando. Eu lá tenho culpa se a mulher dá pra todo mundo? Se o corno ficou bravo e veio ao local de trabalho procurar briga com funcionário? Acho que é pouco se rolar processo.

— Também acho. Olha, eu até gravei o quebra-pau — falou sorrindo mostrando a tela do celular.

Antes que falassem mais alguma coisa, saí do esconderijo e me aproximei de braços cruzados. Fiquei por trás vendo a cena dos dois médicos brigando no meio do corredor.

— Marcela, se eu fosse você apagava isso.

— Ela já espalhou pra todo mundo.

— Vou atualizar o que realmente aconteceu — falei fazendo uma delas bater a mão no celular da outra pelo susto que foi parar longe, provavelmente destruído, como eu gostaria de ter feito —, eu odiava médicos, enfermeiros e todo mundo que veste jaleco branco. Comecei a namorar um cara que mentiu para mim dizendo que era cantor quando descobri que ele era médico e que mentiu para mim, dei um pé na bunda dele. Aí conheci um tal de Fernando em uma viagem, ele não sabia quem eu era, e nem eu a ele, foi coincidência que ele fosse o novo sócio do meu pai, mas aí eu já estava apaixonada e abri uma exceção para ele. O Dr. Mentiroso se sentiu ofendido e foi fazer fofoca, assim como vocês estão fazendo agora. Fim. — A dona do celular correu para pegar o falecido no chão. — Estão todas convidadas a passarem no RH, menos você — falei apontando para a não fofoqueira. — Obrigada por me defender, toda empresa deve valorizar pessoas como você.

Saí do terraço sem olhar para trás.


Quebrando promessas? - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora