VII - Conversa com a serpente

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Não pensou que ela dormiria. Após dizer que tinha vantagem sobre ela, contando com Víperos estar do seu lado, Aurórastris simplesmente amarrou os pulsos dela com a última corda que tinha feito, removeu sua bolsa de moedas, atou seus tornozelos para que não fugisse e deixou-a de lado.

Apesar de não demonstrar, era muito difícil ignorá-la. Em toda sua vida, Aurórastris tinha conhecido muitos Lúmenes e o que percebera era que eles pareciam padronizados. Não que tivessem uma característica única, mas todos eles tinham rostos simétricos, cabelos sedosos, pele lisa, voz melodiosa. Atingiam um nível de beleza que era considerado um padrão para eles e para os humanos, que quase sempre sonhavam em ser como eles. Se um Lúmen fosse um pouco diferente, era geralmente deixado de lado, parecendo um acréscimo indesejado ao grupo.

Aeliana talvez se encaixasse nesse último quesito. Claro, ela também tinha a pele lisa, o rosto simétrico e os cabelos sedosos, como ele comprovara ao tocá-los. A cor, no entanto, era um diferencial. Desde que seu corpo havia sido libertado, ele ouvia as pessoas comentando sobre seus olhos serem diferentes. Porém, como seus olhos vermelhos, os cabelos rubros de Aeliana não eram normais, pelo menos não tinham sido quando ele ainda estava inteiro. Embora os Lúmenes fossem considerados incrivelmente lindos e Aeliana tivesse muitas de suas características, aquele traço, aquela cor, era o único que realmente lhe interessava.

O que não interessava nem um pouco a ele e que qualquer um tinha dificuldade de ignorar era sua voz. Talvez fosse melodiosa se ela falasse de outro jeito, e algumas vezes Aurórastris se perguntou com quem ela tinha aprendido a se expressar. Mas a verdade era que Aeliana tinha uma voz alta e clara, quase retumbante. Além disso, ela falava demais e não deixava muito espaço para ninguém retrucar.

Por isso, foi uma surpresa quando ela simplesmente deixou que ele a amarrasse, puxando o ar rapidamente sempre que ele encostava em sua pele. Depois, ela simplesmente virou para o outro lado e se jogou no chão, como se pudesse dormir ali de qualquer jeito. Algum tempo depois, percebeu que ela podia estar realmente dormindo, pois sua respiração desacelerou e seu corpo relaxou.

— Acha que ela dormiu mesmo?

Aurórastris levantou os olhos para o outro lado da fogueira, de onde tinha vindo a pergunta sussurrada de Víperos, e deu de ombros. Não queria nem comprovar se ela tinha adormecido para não acordá-la. Ele gostava do silêncio.

Dando o braço a torcer, suspirou. Pegou a manta dobrada ao seu lado e esticou sobre a Lúmen, vendo que seus olhos estavam fechados. Depois voltou para seu lugar, ficando de frente para o Ethério das serpentes.

Se tivesse prestado atenção, teria visto que os olhos de Aeliana, apesar de fechados, corriam de um lado para o outro enquanto ela continuava prestando atenção ao que eles diziam. A Lúmen tinha a impressão de que não falariam abertamente perto dela. Tris tinha lhe dado algumas respostas e Víperos não estava mais atacando, porém os dois eram Ethérios, os dois eram seres do mal. Poderiam mudar de ideia a qualquer momento. Se fingir o sono era a única maneira de tirar vantagem da desigualdade que sofria, então que fosse.

— Você disse que seu pai morreu há 19 anos — comentou Aurórastris com a voz baixa. Não queria acordá-la.

— Sim, senhor. — Quando Aurórastris inclinou levemente a cabeça, Víperos soltou um misto de bufo e suspiro e explicou: — Sofremos alguns ataques dos Lúmenes pelo nosso território. Felizmente, meu pai, meu irmão, eu e outros guerreiros conseguimos expulsá-los, mas cada vez tínhamos mais baixas. O último ataque foi o pior. Recebemos a notícia do seu selamento e meu pai ficou arrasado... — Víperos deu um risinho, quebrando a tensão que circundava a fogueira desde que começou a contar a história. — Ele sempre falou muito sobre o senhor. Contava histórias durante o jantar ou quando saíamos para caçar.

Chama e LuzWhere stories live. Discover now