Ela era de leão e ele tinha dezesseis.

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Nunca achei que chegaria a esse ponto. Estava no auge dos meus 26 anos e sim, toda minha carreira, anos de dedicação, haviam sido jogadas no lixo. Estava desempregada, e para piorar minha situação, sem dinheiro algum. No começo eu fiquei desesperada, mas depois entrei em aceitação. Se não fosse Martina que veio me tirar desse buraco eu teria desistido. Quando ela chegou lá em casa eu estava deitada na cama em posição fetal chorando. Nunca me senti tão decepcionada comigo mesma. Martina me convenceu após de muita luta a morar com ela, o que foi difícil de aceitar. Sou uma pessoa difícil e odeio incomodar os outros. Então sim, não foi nada fácil.

Martina me disse que eu iria conseguir outro emprego e que ela fazia questão que eu ficasse em sua casa. Após muita relutância, eu aceitei. Sabia que seria melhor pra mim. Ela também já havia terminado a faculdade e estava trabalhando como advogada. Conheço Martina desde quando era criança, somos inseparáveis.

Estava arrumando minha coisas, organizando e jogando algumas fora. Logo, Martina entra no quarto e senta na cama, me fazendo uma pergunta.
— O que acha de sairmos hoje a noite? — Ela diz mexendo nas coisas que estavam na grande caixa que iam para o lixo. — Nem fudendo que você vai jogar isso fora! Acho que dá pra comprar uma casa com o preço disso.
— Fazer o que? Queria dormir o dia todo se fosse possível. — Digo e Martina bufa e faz uma cara de tédio.
— Qual é Di! Vamos, conheço um pessoa legal e talvez você encontre alguém para dar uns beijos. — Faço uma careta e ela dá uma risada. Como eu amo essa garota. — Eu te empresto um vestido meu. Sério, eu quero muito que você vá.
— Tudo bem! Tudo bem! Eu vou! — Digo levantando as mãos em rendição.
— Isso! — Martina comemora e quase pula em cima de mim. — 23 horas quero você pronta!
— Tabom mãe! — Digo brincando em voz alta e Martina ri e sai do quarto.

Ela era mais nova do que eu. Martina tinha 21 e eu tinha 26. Mesmo assim ela me entendia como se tivesse a mesma idade que eu. Tínhamos até as mesmas ideias idiotas.

— Mas que merda... — Digo tentando fechar o vestido que Martina tinha me emprestado. Honestamente, com ele nem parecia que tinha quase trinta anos. Martina sempre me disse que eu não aparentava ter a idade que tinha. A única coisa que acabava com esse charme eram quando perguntavam a minha idade.

Após a minha enrolação, finalmente fiquei pronta. Martina já havia chamado um Uber e já estávamos a caminho da festa. Eu nem sabia de quem era a festa, Martina me disse que era de um tal de Pipe um dos amigos uruguaios dela.
A casa era enorme. Era em um condomínio residencial afastado, onde pelo o que eu sabia, só os ricos dos ricos moravam lá. Martina chegou cumprimentando todos, eu fiquei sorrindo por educação e tentando conhecer o mínimo das pessoas para me enturmar.

— Diana, não é? — O garoto que Martina tinha acabado de cumprimentar me estende a mão. — Meu nome é Felipe, mas pode me chamar de Pipe.
Aperto sua mão de volta.
— Martina me falou de você, mas não sabia quem era.

Após um tempo de conversas e bebidas duvidosas, percebi que um garoto que estava ao lado de Pipe estava me encarando profundamente. Tentei disfarçar e continuei dançando com Martina de acordo com a música que tocava. Era não era muito alto, parecia ter a mesma altura que eu. Não quis mostrar muito interesse no começo, mas depois de uns goles de tequila comecei a me empolgar demais.

— Matí! — Martina, que já estava bêbada, chamou alto olhando pra esse garoto. — Vem aqui!
Quase me enfiei debaixo do solo quando ela disse isso, e quando ele realmente estava vindo na nossa direção.
¿Qué fue loca? — Ele diz para Martina, era como se eles se conhecessem.
— Quero que conheça minha amiga, Diana.— Quase morro por dentro, as palavras de Martina já estava emaranhadas por causa do álcool.

Ele me olha de cima a baixo. Esse tal de Matí usava uma calça social, uma blusa branca e um blaser de um azul bem escuro. Olhei para baixo e vi que se usava um par de tênis brancos, que estavam levemente encardidos. Tinha brincos nas duas orelhas e usava eles desemparelhados.

— Eai? — Ele me estende a mão.— Sou o Matías.
Ele tinha um sorriso rebelde nos lábios.
— Diana. — Aperto sua mão e percebo que Martina tinha saído dançando para longe dali.
— Você é daqui? De Montevidéu? — Ele me pergunta em um tom alto por causa da música.
— Estou só de passagem. — Minto. — Na verdade eu moro em Barcelona. Nasci lá.
— Bem que eu percebi que você fala rápido demais. — Ele ri e eu rio junto.
— E você? Mora aqui? — Pergunto e ele toma mais um gole de sua bebida, fazendo uma careta em seguida.
— Na verdade eu moro aqui em Montevidéu desde quando tinha, sei lá, uns 3 anos. — Ele diz improvisando. — Conheço aquele bêbado do Pipe desde sempre praticamente. — Ele aponta para Pipe, que estava cumprindo o desafio de beber uma garrafa de vodca inteira.

Matías olha para os lados e me pergunta.
— Quer ir tomar um ar lá fora? — Eu sabia o porque dessa pergunta, não era idiota.

Respondi igual uma adolescente de 16 anos irresponsável responderia.

— Claro. — Digo e Matías vai na frente, me guiando no meio da multidão.
O jardim que ficava atrás da casa era enorme. Tinha algumas pessoas lá fora bebendo e fumando. Começamos a andar e a jogar conversa fora. Ele logo tirou um cigarro e me ofereceu. Eu aceitei, e começamos a andar juntos e dividir o mesmo cigarro.

— Faz o que da vida? — Ele dá uma tragada e me passa o cigarro. Faço a mesma coisa.
— Bom, eu sou formada em Direito. — Falo com uma voz de tédio. — E você?
— Ah... eu? Bom eu... eu faço engenharia. — Ele diz em um tom meio nervoso.
— Vai por mim, entendo você. — Rio de leve e passo o cigarro. — Nada tá acontecendo do jeito que eu pensei que fosse. Eu esperava me formar e já começar a trabalhar, virar mais importante sabe? — Ele me escutava com vontade. Me impressionou ele estar interessado. — Era pra eu receber uma proposta boa em Barcelona, mas enquanto não chega nada, eu vim morar com a Martina.

— A vida é um merda mesmo. — Matías solta a fumaça que estava em seu peito. — Mas são os sacrifícios que a gente faz que valem a pena.
— Tirou de qual livro essa frase poética? — Pergunto fazendo graça.
— Em algum livro que devo ter lido por aí. — Ele sorri e me encara. — Olha... nem sei se vou ver você de novo da vida e já estou te aconselhando mesmo assim.

Ele diz e tira o celular do bolso. Abrindo suas conversas para adicionar um número novo.
— Aqui. — Ele me dá seu celular. — Me passe o seu número.
Não consigo nem dizer não pelo jeito que ele falou. Lhe passo meu número e ele adiciona.
— Sabe o que é estranho? — Ele diz colocando jogando o cigarro no chão e o apagando. — Nunca tive uma conversa assim com uma pessoa que nunca vi na vida.
— Você que é um bom ouvinte. — Me aproximo com um sorriso nos lábios, ele faz a mesma coisa.
— Eu queria te beijar a noite toda sabia. — Se o plano dele era de eu cair na laia dele, deu totalmente certo.
— Acho que já disse isso. — Falo baixinho, pois já estávamos com os lábios quase se encostando.

Nem sem dar tempo de eu pensar direito, Matías atacou minha boca, como se estivesse desesperado. Me puxou mais para perto e eu envolvi minhas mãos ao redor de seu pescoço. Estava perfeito, pois ele sabia como beijar uma mulher.

— Ficarei muito mal se você não me mandar mensagem. — Ele separa o beijo e diz, fingindo uma cara triste.
— Vai ser a primeira coisa que vou fazer quando chegar em casa. — Digo e me solto de seus braços, olhando para a parte de dentro da casa. — Melhor eu voltar, Martina já deve estar desmaiada de tanto beber.

Ele ri.

— Tudo bem. — Ele tira mais um cigarro do bolso e o acende. — Tchau, Di.
— Tchau, Matí.

Escuto ele dizer e viro em direção a casa de Pipe, voltando para a multidão e o som alto.

not a romance story - matias recalt Onde histórias criam vida. Descubra agora