Sobre leite derramado e caos instaurado

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Pela centésima vez naquele dia, Satoru Gojo se perguntou o que diabos estava fazendo.

Não que ele não soubesse. Era apenas difícil revolver sua mente em torno da ideia de que, em plena noite de uma sexta feira, ele se encontrava enfurnado na penumbra de um escritório lavado em cores insossas, sentado em uma cadeira de executivo arquitetada com o sólido propósito de fazer 'homens de negócios' com metade de sua altura e capacidade se sentirem poderosos, enquanto discutia de forma monótona termos como 'alíquotas', 'amortização e 'benchmarking' com os ditos homens em questão.

A coisa engraçada era: ele não era nada ruim nisso.

O nepotismo certamente foi o que garantiu sua posição como diretor do departamento financeiro da maior empresa de desenvolvimento farmacêutico e biotecnológico do Japão — conhecida pelo título pomposo de Gojo's Pharmaceutical Company — mas a competência com que geria suas funções era o que havia assegurado a permanência dele no cargo.

No fim das contas, Satoru era quase tão bom no que fazia quanto em fingir que não detestava e, em momentos como esse, onde sentia vontade de mandar os homenzinhos engravatados encarando-o através da tela do computador enfiarem todos aqueles tópicos massantes em um lugar bem específico, ele tendia a se lembrar de Suguru, sua voz aveludada e comedida, olhos negros estreitos com uma camada de reprovação:

"Satoru, não seja pedante." (No ensino médio, durante as aulas avançadas, quando Gojo se exibia para ele resolvendo alguma equação algébrica especialmente complicada em tempo recorde, seus outros colegas se amontoando ansiosamente em torno de si para pescar a resposta.)

"Satoru, trabalhe duro e a melhor recompensa será a sua gratificação." (Também no colégio, geralmente quando ele estava fazendo corpo mole para alguma tarefa escolar tediosa, encenando sua melhor cara de cachorrinho abandonado para um Suguru implacável enquanto implorava para que fossem fazer algo mais divertido do que passar a tarde inteira no quarto estudando.)

"Satoru, não seja tão cheio de si. Comporte-se." (O tempo todo, sempre que necessário. Aquele era o mantra pessoal favorito de Satoru, o que o mantinha minimamente humilde, tinha o tom mandão e professoral que era marca registrada de Suguru antes mesmo dele concluir a graduação em pedagogia, a mesma rouquidão disciplinatória com que ele moldava as palavras para mantê-lo preso a elas. 'Sim, senhor'. Satoru respondia às vezes, sorrindo para sua cara amuada e levemente tentado a bater uma continência.)

Todas essas frases vieram a sua mente, repetindo-se de novo e de novo, o ponteiro em seu relógio de pulso — 'ridiculamente caro', Suguru apontou certa vez — passando vagarosamente conforme a enfadonha reunião transmitida pelo Zoom se aproximava do encerramento. 

Mas a garantia do fim ainda não era suficiente.

Talvez ele precisasse de algo mais substancial que isso: Um apagão elétrico, a falência do Zoom e todas as outras plataformas de transmissão de reuniões online ou a vindoura revolução comunista que iria expropriar a classe burguesa de seu monopólio econômico e, esperançosamente, livra-lo de mais noites tediosas como essa.

Houve uma batida na porta.

Gojo soube que era Nanami antes mesmo de manda-lo entrar, ele sempre batia na madeira de uma forma peculiar: pausadamente e com uma cadência tão robótica que parecia quase automatizada. Se fosse um agente secreto, aquele seria seu código.

'Não é a revolução comunista, mas vai ter que servir.' Ele pensou, usando essa como a desculpa perfeita pra encerrar a reunião alguns minutos mais cedo. 

Damn Good Friends || SatoSugu AU Where stories live. Discover now