7 Trabalho

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Beca

Acordei com o cheiro de café, e eu nem sabia como, já que minha cafeteira estava no estúdio.

Abri os olhos me virando no chão. No colchão improvisado que fiz com todas as coisas que compramos. Dormi do lado da janela, ele do outro lado da sala.

Foi estranho, mas foi uma noite de sono tranquila para variar.

⸻ Bom dia, você quer carona?⸻ disse ele de pé usando seu casaco e segurando um copo de café enorme da cafeteria da rua de trás nas mãos. Como ele já acordava gostoso daquele jeito?

Juntei meu cabelo que devia estar uma grande merda e o enrolei colocando sobre meu ombro.

⸻ Bom dia. ⸻ falei sonolenta, e olhei pela janela. ⸻ Está nevando?

Ele riu. ⸻ Sim.

⸻ Então eu quero carona. Vou te atrasar?

Ele olhou para o celular. ⸻ Não, temos meia hora.

Tomei um grande gole quente de café fechando os olhos com a sensação gostosa.

⸻ Só preciso de vinte minutos. ⸻Me levantei com um impulso e devolvi o café para ele. ⸻ Já volto. ⸻ olhei para ele do corredor. ⸻ Você daria um maridão assim com café na cama. ⸻ Sorri o provocando só para ver ele ficando sem graça.

****

O caminho até o meu estúdio foi bem rápido, estava doida para tomar um banho.

Ele parou bem em frente a porta.⸻ Quer que eu venha te buscar? ⸻ ofereceu.

Suspirei. ⸻ Não precisa, quando sair da escola, pode ir direto para casa esperar a entrega dos móveis como a gente combinou.

Abri minha bolsa achando meu chaveiro de morango, por sorte, eu tinha duas cópias da chave, e as deixava juntas porque até então eu deveria morar lá sozinha.

Tirei a chave do meu chaveiro e a ofereci a ele.

⸻ Aqui, sua chave de casa.

Parecia a coisa mais comum do mundo, mas o vi engolir em seco. Ele realmente parecia cheio de bloqueios. Acho que nem nossa conversa de ontem tinha surtido muito efeito nisso.

Meio receoso ele pegou a chave, a olhando mais que o normal.

⸻ Tá tudo bem? ⸻ perguntei.

Ele pareceu sair de um transe. ⸻ Sim, está tudo bem sim, é que... A sua frase me pegou, não achei que teria uma casa tão cedo. Ainda mais com alguém.

Eu poderia discutir tudo o que podia significar aquele gesto, mas precisava mais dele do que ele de mim, então resolvi só deixar tudo mais leve.

⸻ Relaxa, gatinho, vai dar certo. Deixa eu ir para não atrapalhar seu trabalho. ⸻ me inclinei, lhe dando um beijinho na bochecha e ri. ⸻ Desculpa, a Dayane me deixou com esses hábitos brasileiros horríveis. Foi mal.

Ele apenas riu. ⸻ Vai logo trabalhar!

***

CJ

Estacionei na minha vaga bem perto da entrada da escola, ainda estava meio distraído pensando naquela chave, e no jeito como ela tinha dito aquilo. Uma vez JB disse que teríamos algo assim, uma casa nossa, quando nós dois estivéssemos aposentados e não devêssemos mais nada a ninguém. A sensacão foi mais uma vez de uma faca cortando meu estômago. Eu não soube o que dizer a ele, assim como fiquei sem palavras para ela. Só que com ela... Já estava acontecendo.

Um dos garotos me cumprimentou, me fazendo acordar, estava segurando uma bola de futebol sob o braço.

⸻ Hey, treinador, disseram que vamos ficar na sala hoje, é sério isso?

Pigarreei, e com um movimento rápido, tomei a bola dele. ⸻ É isso aí, vamos ter uma reunião de time hoje. E não sei se sabe, nos grandes times, faltar a essa reunião te deixa de fora do jogo.

Devolvi a bola para ele, que a pegou um pouco chateado. ⸻ Tá certo. É o chato necessário, né? Te vejo mais tarde então.

Me despedi dele e entrei na minha sala, ou melhor, na sala que eu dividia com os outros treinadores. O preparador da defesa e o treinador principal.

⸻ Bom dia, CJ. ⸻ disse ele animado e me encarou. ⸻ Tudo bem? Parece que dormiu no chão. ⸻ brincou.

Tirei meu casaco o pendurando na cadeira. ⸻ Deu para notar, é? Dormi no chão e pelo o visto essa noite também.

⸻ Que bom que a gente não trabalha amanhã, então, sua cara tá péssima.

⸻ Estou de mudança, achei um apartamento para morar, não é longe daqui.

Eles se animaram. ⸻ Ah, e quando é o Open House?

Arregalei os olhos. ⸻ É, foi mal galera, mas é que não vou morar sozinho, então... A gente tem que comemorar em outro lugar.

⸻ Que tal na Shile amanhã? ⸻ sugeriu Cal, o preparador da defesa, ele era um pouco mais velho que eu, devia ter na faixa dos trinta.

⸻ Shile? ⸻ perguntei sem ter ideia do que era aquilo.

Rob revirou os olhos. ⸻ Não tenho idade para esse lugar. Eu passo.

Eu ri, Rob sim era um cara velho, não de aparência, o cara era um monstro, mas quando ele dizia ter 63 anos eu ficava pasmo. Ele era grisalho, mas, alto de porte grande, a barriga era tão trincada quanto a minha.

⸻ Qual é, velhote? O cara acabou de chegar na cidade, vai negar apresentar o melhor material para ele?

⸻ Ainda não sei do que estão falando. ⸻ ri olhando para os dois.

⸻ Shile é só a melhor boate da cidade. É onde caras como nós pegam materiais do tipo que posam para revista, saca?

Ah merda...

⸻ Entendi. Mas eu estava pensando mais em um bar, tomar umas cervejas, ver futebol...

Rob sorriu me dando um soquinho no braço. ⸻ Apoio!

⸻ Vocês são frouxos. Beleza, vamos para esse programa de velho casado. Ou melhor, velho castrado.

Eu ri. Ele me lembrava o JB. Tão dramático quanto.

***

Assim que ouvimos o sinal, fomos para o anfiteatro reservado por Rob. Os garotos já estavam por lá, todos disciplinados, não muito contentes com a parte teórica, mas ainda assim aceitando todas as recomendações.

Me sentei junto deles para assistir a aula que Rob havia preparado, era bem mais que só futebol, era uma espécie de terapia. E era muito necessário. Quando se gasta todo tempo e energia em um esporte, você não se prepara para o fracasso. Só almeja a glória. Só que a vida mostra que entre muitos, poucos brilham e esses poucos, muito provavelmente, não vai incluir você.

Eu gostaria de ter sido preparado daquela forma, tornaria a minha vida bem mais fácil quando fui dispensado. E pensar que cheguei a preencher os formulários de alistamento. JB chegou antes e me impediu de fazer, o que talvez, fosse a coisa mais estúpida da minha vida.

A verdade é que eu queria deixar esse mundo, mas ainda queria dar algum orgulho para minha mãe. Ela não se perdoaria se tivesse um filho suicida, mas se conformaria com um herói caído em batalha com honras militares.

E aí ele me arrastou para aquele casamento, e me fez falar sobre isso. Ele sabia que o Logan não ia permitir uma coisa assim. Os dois salvaram minha vida.

Olhei para todos aqueles rostos, os olhos brilhando sob as palavras de Rob, o quanto queriam ser como ele.

Eu faria o meu melhor para que nenhum deles passasse pelo que passei. O futebol poderia não lhes dar uma carreira em campo. Mas os colocariam nas melhores universidades e eles saberiam lá que caminho seguir.

Três não é demais? - CJ E Beca Onde as histórias ganham vida. Descobre agora