Sentado em seu lugar, o rapaz parecia tirar uma soneca das boas. Sua cabeça caia lentamente para frente, mas ele voltava sem ao menos acordar. Elô notou seus cabelos loiros escuros, vez ou outra escorregando por sua testa, as sardinhas em suas bochechas pálidas e seus lábios finos. Ele parecia muito sereno e também era muito lindo. Com um abanar de cabeça, ela jogou longe o último comentário.

Seus dedos gélidos cutucaram a bochecha do homem que ainda dormia. Ele pareceu não sentir o toque. Eloisa o cutucou novamente, dessa vez mais forte e ele apenas resmungou algo incoerente. Do outro lado, o ônibus parava em outro ponto e outras pessoas subiam. Elô não teve escolha a não ser se sentar ao lado do desconhecido.

Ela tocou seu ombro quando se sentava de forma desajeitada, não por querer, mas porque o ônibus se moveu inesperadamente. Dessa vez, o impacto foi suficiente para o homem acordar. Ele abriu os olhos lentamente e limpou a boca por precaução, não queria sua baba escorrendo por aí. Ele notou Elô o encarando sem expressão e se endireitou no banco.

- Hm... oi, bom dia - Ele disse um pouco sem graça sobre o olhar da morena.

- Bom dia, esse lugar aí é meu - Elô sempre foi direta com as pessoas. Era seu defeito.

- Como? - O loiro pareceu não entender. Deixou um sorriso escapar. Elô estava atenta a isso, mas desviou os olhos em uma fração de segundos.

- Esse lugar aonde você tá sentado - Ela apontou pra ele -, é meu. Eu sento ai todos os dias por quase dois anos! - Ela gesticulava com drama.

O rapaz a sua frente a encarou da mesma forma que foi encarado, sem expressão, com a boca um pouco aberta. Estava processando a informação recebida. Sua mente se negava a acreditar no que estava ouvindo.

- Espera, o que? - Ele negava. - O ônibus tá quase vazio.

- Não importa, esse é meu lugar favorito! - Elô rebateu.

- Ei, não estamos no quinto ano. - Ele respondeu sem sorrir dessa vez. Eloisa sabia que estava sendo infantil, mas não ligava. Era seu lugar sagrado.

- Olha, você pode só trocar de lugar comigo e tá tudo certo. - Ela se levantou com uma expressão esperançosa. Segurava firmemente sua bolsa. Mas o homem não levantou, ele ao menos se mexeu.

- Mas eu cheguei aqui primeiro - Ele mexeu os ombros.

- Moço por favor, esse lugar é praticamente meu, todo mundo senta no seu lugar - Ela apontou, discretamente, para algumas pessoas a sua volta.

- Primeiro, meu nome não e moço, é Esteban e segundo, eu não vou sair do meu lugar público - Deu ênfase na palavra. -, só porque uma adolescente mimadinha quer! - Cruzou os braços enquanto fechava os olhos.

- Só pode ser piada... - Elô conseguiu notar o sotaque forte que ele tinha quando pareceu mais nervoso, porém não disse nada. - Olha só, Esteban, sei que não está dormindo e pra o seu governo, eu não sou uma adolescente e muito menos mimada. - Ela bateu o pé nervosa.

- Não é o que parece! - Ele sorriu sugestivo para o ato da morena. Ainda com os olhos fechados, ele se ajeitou ainda mais no banco.

- Bom, espero que esteja confortável! - Ela cruzou os braços imitando o homem.

- Você não faz ideia... - No momento em que ia retrucar, o ônibus freiou bruscamente, fazendo Elô se desequilibrar e cair com a cara no chão. O barulho foi tão alto que Lúcio virou seu corpo para checar se estava tudo bem.

Eloisa estava jogada no chão com a mochila no alto da cabeça, presa a seus cotovelos e seus óculos a alguns centímetros de distância. Esteban se levantou no mesmo segundo puxando a bolsa da morena. Ele a levantou com cuidado ouvindo protestos da mais nova.

- Tá vendo só, se tivesse deixado a sua birra de lado, isso não teria acontecido. - Ele advertiu tirando os fios de cabelo do rosto de Eloisa. Algumas pessoas observavam quietas, outras sorriam disfarçadamente.

- Isso é culpa sua, se não tivesse sentado no meu lugar! - Ela se livrou das mãos do mais velho e tentou ficar de pé por si mesma. Mas novamente o ônibus se mexeu e seu corpo seria jogado pra trás quando as mãos de Esteban foram mais fortes e agarram-na. Colados, eles ouviram Lúcio gritar um perdão ao longe. Eloisa não pode deixar de encarar Esteban, e agora de perto, ele parecia muito mais bonito do que antes. Sua mão se moveu contra o peitoral do loiro e ela o empurrou quando notou a ação. Ele não se moveu muito, mas estendeu a mão em que os óculos da mais nova estavam.

- por nada, não? - Ele sussurou. Elô agradeceu com breve acenar de cabeça. Tudo parecia resolvido, mas a morena foi esperta e passando como um furacão, se sentou no seu lugar, ao lado da janela. A expressão chocada de Esteban a fez segurar um riso. - Você é impossível!

- Era só ter feito isso desde o começo, querido. - Ela deu de ombros tirando seu livro da bolsa.

Esteban não disse nada, apenas ajeitou sua roupa e se sentou ao lado de Elô. Ele parecia sereno como quando estava dormindo. Eloisa observava-o com discrição. Não parecia bravo ou chateado, mas estava um tanto quieto demais, talvez ele fosse assim.

- Você pode se sentar em outro lugar se quiser - Ela abaixou o livro. Dessa vez o encarando de verdade.

- Quero me sentar aqui, ou vai me explusar de novo? - O loiro disse. Mas não pareceu nervoso. Elô analisou suas bochechas rosadas.

Eloisa se calou. Voltou ao seu livro e seu mundinho, aquele que seguia todos os dias. Estava quase finalizando a leitura, mais um para a conta de sua lista.

- Sabe de uma coisa? - O loiro comentou depois de um período de silêncio. A morena o olhou como se perguntasse o que? - Eu não sei seu nome.

- Eloisa, mas pode me chamar de Elô - Ela deu de ombros. Esteban levantou a mão direita até a altura dos olhos da garota.

- Muito prazer, Elô - Ela apertou a mão quente de Esteban. - Te vejo por aí. - Ele se levantou puxando a cordinha solicitando a parada.

- Essa confusão toda pra você ficar dez minutos dento do ônibus? - Ela riu com desdém.

- Não fui eu quem começou - Levantou as mãos e os ombros. Elô não respondeu. A porta automática se abriu e Esteban desceu.

Aquela seria a última vez que Elô veria o loiro no mês.

Asiento de la suerte | Esteban Kukuriczka Where stories live. Discover now