DESGUSTAÇÃO

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CAPÍTULO I

Dezembro de 1840, Inglaterra.

A noite mais fria e nevosa do ano. Conhecida regionalmente por ser a oitava maravilha mundial entre muitas pessoas que circulam pelo pequeno território da bela cidade de Penzance, apreciando as desastrosas características marcantes que o aclamado solstício de inverno traz para o local iluminado por lamparinas pretas reluzentes e, obrigatoriamente, ouvintes. Já perdi as contas de quantas vezes já presenciei os desabafos noturnos e cansados de desconhecidos embriagados — tanto homens, quanto mulheres — clamando desesperadamente por uma simples ajuda. E o mais triste é que ninguém os alerta que as lamparinas não vão lhes auxiliar. Provavelmente, depois do desabafamento, depois que as súplicas saírem de seus lábios e o silêncio constrangedor, enfim, dominar o beco escuro, eles supõem que elas são apenas mais um ser que não os ouviu, que simplesmente os ignora por completo. Que não se importa com suas cicatrizes.

Apenas com quem rasgou a sua pele.

Só que não é exatamente assim. Elas ouvem atentamente cada palavra, cada mínima sílaba que saí em tom choroso e dolorido da sua boca, com um enorme tormento por não poder ajudar, por não poder fazer nada para mudar sua realidade. Mas elas os acompanham, os entendem, eu os entendo. Sempre estou lá, eles só não podem me ver.

Eles também não podem escutá-las.

Diferente de certas famílias, os objetos negros e reluzentes que carregam o dom de ampliar a luz dão atenção aos habitantes do ambiente em que orquestram, ouvem aqueles que são calados pela sociedade e lacrimejam por aqueles que não choram, por aqueles que perderam a capacidade de chorar, por aqueles que não têm mais a habilidade de amar. Eles apunhalam seu coração e rasgam-no junto com sua pele. Um ser sem alma e carne. Um indivíduo formado pelas virtudes da dor e dos pecados cometidos na ruína.

Eu.

Percebo que o vento níveo, agudo e violento traça uma trajetória com ondulações e rigidez em torno dos galhos marrons das árvores britânicas, plantadas aleatoriamente pelas ruas com pouca iluminação da cidade menos populosa da Inglaterra, derrubando a maioria das folhas castanhas e balançando as poucas que ainda estão verdes. Uma verdadeira pintura escassa de inverno abundante, usando tintas semelhantes a sua beleza superior. Esse pequeno e competitivo jogo que o vento níveo faz com as folhas geladas deixa as árvores, teoricamente, nuas. Apenas os seus fortes galhos, com a ajuda das partículas de neve que caem durante o dia, pairam sobre o tronco esbelto do ser embelezado, o enfeitando e deixando-o apto para o terceiro evento mais esperado do nosso calendário, a festa mais ansiada por nossa população: a grande comemoração do solstício.

A tão esperada e aguardada cerimônia do solstício de inverno é organizada e preparada apenas para aqueles que participam da alta e curta burguesia, os seres que estão em seu ápice de riqueza econômica, de bens materiais, ouro e joias. Donos de extensas frotas marinhas, banqueiros, comerciantes internacionais, o alto clero e, o mais óbvio de todos, a realeza e seus sucessores patriarcais e abusivos. Qualquer um que tivesse um poder importante carregado em seu nome ou uma quantia em dinheiro consideravelmente útil para os afazeres da monarquia parlamentar. Eles são como hirudíneos: sugam seu sangue até estarem satisfeitos e, depois que se alimentam, te largam sem questionar se o que estão fazendo é realmente o certo e seguem sua vida normalmente, como se vocês nunca tivessem se conhecido ou se visto alguma vez na vida. Falsos e manipuladores.

— Amor. — Não me assusto quando uma voz conhecida sussurra de leve por trás do meu ouvido, fazendo-me sair da minha linha de pensamento noturno, enquanto olho as árvores da rua suja de neve e as lamparinas da rua inundada de desespero. O interessante é que é a mesma rua, mas parecem mundos completamente diferentes. Sem mover o corpo, guardo o meu raciocínio no baú mais profundo e trancafiado da minha mente, para que ele não me chame de tola. Viro o rosto sem oscilar meus olhos, enquanto o homem atrás de mim continua falando. — Já estou pronto, minha querida. Você realmente não quer ir à comemoração do solstício? Espero que compreenda o tamanho do erro que está cometendo. Quero dar-lhe uma chance de pensar, caso queira deixar de ser tola.

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⏰ Poslední aktualizace: Feb 23 ⏰

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