Também a sua chegada ao hotel se rodeou de solenidade. Cerca de meia dúzia de lacaios ajudaram-no a descer da carruagem e atravessou o hall com uma tranqüila magnificência quando - ó horror - uma visão o petrificou. o minúsculo John Chivery, vestido com a sua mais bela fatiota, o imenso chapéu debaixo do braço e a bengala de marfim na mão, aguardava-o, com uma caixa de charutos!
— Este jovem insistiu em esperar pelo senhor - disse o porteiro. - Assevera que o cavalheiro ficaria muito contente por o ver.
O senhor Dorrit lançou ao rapaz um olhar furibundo, mas disse, fazendo apelo a toda a calma que lhe restava:
— Ah! É o pequeno John, Se não me engano, é o pequeno John, não é verdade?
— Sim, senhor Dorrit, sou eu – respondeu John.
— Este jovem pode subir - disse aos criados -, recebê-lo-ei lá em cima.
O pequeno John seguiu-o, sorridente e cheio de gratidão. Entraram no aposento do senhor Dorrit e os criados retiraram-se.
— E agora, cavalheiro - exclamou o senhor Dorrit, virando-se para ele e pegando-o pelo colarinho -, quer fazer o favor de me dizer o que significa isto?
A estupefação e o terror que se estamparam no rosto do desgraçado rapaz - que contava, antes, ser abraçado - foram tão evidentes que o senhor Dorrit o largou e limitou-se a fixá-lo, com um olhar furioso.
— Como se atreve - interrogou, - Como se permitiu vir aqui? Como ousa insultar-me?
— Insultá-lo, senhor Dorrit - exclamou John. - Oh!
— Sim, cavalheiro - replicou o senhor Dorrit -, insultar-me. Vir aqui é uma afronta, uma impertinência, uma audácia! A sua presença, aqui, não é desejada! Quem o mandou? Que, hum, que diabo veio fazer aqui?
— Pensei, senhor Dorrit - respondeu John, de rosto pálido e alterado -, que o senhor não recusaria ter a bondade de aceitar uma pequena oferta.
— Para o diabo com as suas ofertas! - exclamou o senhor Dorrit, desvairado pela fúria. – Eu, hum, eu não fumo.
— Peço-lhe desculpa, senhor Dorrit. Antigamente fumava.
— Repita isso! - gritou o senhor Dorrit, absolutamente fora de si -, repita isso e pego no atiçador!
John Chivery recuou até à porta.
— Pare, cavalheiro - gritou o senhor Dorrit.
— Pare! Sente-se. Diabos o levem, sente-se John Chivery! deixou-se cair numa cadeira perto da porta, enquanto o senhor Dorrit andava de um lado para o outro.
— Por que razão veio cá? - insistiu.
— Ora, por nada, senhor Dorrit. Oh, meu Deus! Só para lhe dizer que esperava que estivesse bem de saúde e para saber como se encontrava Miss Amy.
— E que tem o senhor com isso?
— De direito, nada, senhor Dorrit. Asseguro- lhe que não esqueço o profundo abismo que existe entre nós. Também eu tenho o meu amor- próprio e não tomaria a liberdade de vir cá se soubesse que isso o contrariava desta maneira!
O senhor Dorrit sentiu-se envergonhado. Dirigiu-se à janela e durante algum tempo conservou-se de testa apoiada no vidro. Quando se virou, tinha o lenço na mão, acabava de enxugar os olhos e parecia cansado e doente.
— Pequeno John, lamento imenso o meu comportamento, mas há recordações, hum, que não são recordações felizes e o senhor, hum, não deveria ter vindo.
— Agora compreendo-o bem, cavalheiro, mas antes não, e Deus é testemunha em como não era com más intenções!
— Sim, sim, disso tenho eu a certeza - respondeu o senhor Dorrit. - Venha de lá essa mão, John.
Capitulo IX - UMA SEQUÊNCIA DE DESGRAÇAS
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