Chama e Luz

I - Salão da Disciplina

Os movimentos eram fluidos como as águas de um rio e leves como a brisa da primavera. Tão rápidos que zuniam como abelhas carpinteiras. Quem mais sofria com eles era o Arbusto Lilás no canto do jardim, mas a chuva de corações verdinhos quase fazia parecer que a árvore gostava de ser desfolhada. A única desagradada era Lyrae, cuja única função era fazer florescer o Jardim Luminoso de Cura. Seu trabalho era sempre dobrado quando a jovem Aeliana aparecia para treinar.

Aeliana era uma mestra com a lança, manipulando-a como se fosse uma extensão de seu próprio corpo. Seu domínio com a arma superava até mesmo o do conselheiro Theron, o guerreiro mais habilidoso dos Lúmenes da Aurora, a grei dos Lúmenes do Leste. Ela amava treinar com sua lança, era a única parte de seu treinamento que a deixava realmente concentrada e feliz. Ainda se lembrava do tempo que demorou para se sentir confortável em aprender o manejo da arma, depois de saber que seu coração já estava melhor. Mesmo hoje, ela continuava a se perguntar se sentiria dores no peito de novo.

Quando removeu a última folha do Arbusto Lilás, Aeliana respirou fundo e impulsionou a lança para o alto, perfurando o coração verdinho com destreza, sem partir a folha ao meio. Baixou a ponta da lança na frente do rosto e observou atentamente seu feito com um sorrisinho bobo nos lábios finos, que se alargou quando ouviu os aplausos atrás de si. Sempre que usava a lança em combate ou em treinamento, Aeliana se desligava do mundo e focava apenas na luta, o que ajudava em sua agilidade e destreza. Sem pensar duas vezes, agora já fora do "modo combate", ela se virou para cumprimentar, com uma reverência exagerada, os espectadores.

Os Ethérios, seres humanos com características animalescas e de plantas, estavam sentados em um banco do jardim. Diferente dela, que apenas denunciava sua natureza Lúmen quando manipulava a Luz Eterna, aqueles seres eram facilmente identificáveis pelos traços que compartilhavam com os animais e plantas com os quais tinham afinidade.

— Acho que não tem como a senhorita melhorar mais — afirmou Lealdor. O sorriso caloroso e a energia com que parecia se agitar quando Aeliana se aproximou deles fez com que a Lúmen risse.

Às vezes, como nos Ethérios dos Cachorros, as características animalescas eram mais psicológicas do que físicas. Ainda assim, os grandes e arredondados olhos castanhos e as orelhas com uma dobra maior na parte superior, fazendo parecer que eram caídas, denunciavam sua afinidade. Outras vezes eram mais aparentes, como os Ethérios dos Gatos, que tinham orelhas pontudas e pupilas em formato de filete, ou os Ethérios dos Esquilos, que tinham olhos grandes e pelos no corpo mais abundantes, sensíveis ao toque. Os Ethérios das plantas eram os mais parecidos com os humanos e os Lúmenes, pois tinham pouquíssimas características físicas que os distinguiam.

— Se ela conseguisse manipular a Luz Eterna, com certeza ficaria muito melhor. — A afirmação foi feita despretensiosamente enquanto Felinia lambia as costas das mãos e passava em seus cabelos suaves. Os outros Ethérios olharam para ela com olhos espremidos e sobrancelhas franzidas. — O que foi? Estou errada?

— Não, não está — afirmou Aeliana, adiantando-se para se sentar no lugar que Lealdor tinha ocupado há pouco tempo. Um pequeno sorriso se mantinha em seu rosto, mas seus olhos estavam resignados. Há dois anos não levava grande parte do seu treinamento a sério, pois sua esperança estava definhando.

— Ora, não fique assim, queridinha. — Sylvan se levantou e começou a gesticular como se ela mesma estivesse manipulando a lança, mas seus movimentos não eram nada graciosos. — Ouvi dizerem que no teste todo mundo se liberta! — A Ethéria abriu os braços dramaticamente e olhou para o céu, causando uma risada nos três espectadores de sua apresentação enérgica.

Ela não estava errada também. Aeliana ouvira histórias de Lúmenes que atingiram o nível de Manipulador Luminoso Básico durante o teste. O terceiro nível de magia Lúmen era uma das exigências mínimas para entrar na Academia Estellarium, uma instituição que se assemelhava às universidades humanas, porém seus estudos se concentravam mais na manipulação da Luz Eterna e no avanço de níveis dentro da magia Lúmen. Pelo que Aeliana sabia, todos os conselheiros das greis tinham se formado na Academia e poucos – dava para contar nos dedos – eram os Lúmenes que alcançavam os níveis mais altos, de sete a nove, sem terem frequentado o lugar.