O sítio ficava no meio da área de proteção ambiental da Serra do Mar, no estado de São Paulo. Parece que meu pai era um grande admirador da vida selvagem, e nos deixou uma herança considerável. Também, em testamento, fez algumas doações para instituições de proteção ambiental.

— De que você precisa? — Eu a encontrei arrastando um pedaço de madeira na lateral da casa.

— Eu quero colocar esse tronco ali do lado. — Ela apontou para a cerca. — Ele está apodrecendo e preciso tirá-lo daqui.

— Mas, mãe, isso é pesado! — Analisei a grossura do tal tronco, devia ter uns trinta centímetros de circunferência.

— Vamos! — Ainda me olhando, começou a puxar. — Largue mão de ser preguiçosa.

Peguei de um lado e ela do outro. Levamos o tronco para onde ela tinha apontado; na divisa com a mata. A reserva é formada por parte extensa e maciça da Mata Atlântica, sendo uma das áreas mais preservadas de São Paulo e da região Centro-Sul do Brasil, responsável pela diversidade de espécies vegetais e animais ali encontrados, notadamente as que são peculiares à essa região e aquelas ameaçadas de extinção.

— Aqui está bom? — perguntei, e ela sorriu indicando que sim.

— O almoço vai esfriar! — Ouvi Maria gritar da cozinha.

— Melhor irmos. — Minha mãe deu as costas e começou a caminhar.

Bati as mãos na calça, para tirar a sujeira e, pelo canto dos olhos, vi um pássaro voar. Era um sabiá e eu sabia que minha mãe ficaria feliz, ela gostava quando faziam ninho próximo a casa. Virei a cabeça, tentando ver para onde tinha ido, mas um vulto passou entre as árvores e me fez desviar a atenção. Procurei o que tinha passado ali, inspecionei toda a extensão da cerca, até que senti meu corpo gelar; dois olhos amarelos me observavam.

Com medo, dei alguns passos para trás. Acabei enfiando o pé dentro de um buraco na grama e caí, torcendo de leve o tornozelo. Ainda no chão, procurei pelo olhar e lá estava ele. Por detrás do alambrado, parecia me analisar.

— Tayara? — minha mãe chamou.

Travada no lugar, não consegui responder. Ouvi a porta da cozinha ranger ao abrir e, aos poucos, aqueles olhos amarelos se afastaram e sumiram na imensidão verde da mata.

— O que faz aí no chão? — ela perguntou, atrás de mim.

— Eu caí — respondi baixo.

— Tem um buraco aí, já te avisei algumas vezes. — Ela esticou uma das mãos para me ajudar a levantar.

— Mãe! — Puxei sua mão, fazendo com que olhasse para mim. — Tinha alguma coisa — sacudi a cabeça tentando organizar os pensamentos — na mata. Estava me olhando.

— Você sabe que moramos ao lado de uma reserva, pode ter sido qualquer animal. — Ela sorriu e deu de ombros. Minha mãe tinha razão, mas aquilo ainda me assustava, pois mesmo que fosse um animal, seria grande. Eu não insisti no assunto, queria esquecer e me focar em qualquer outra coisa.

— Por que a Maria está congelando a comida? — perguntei, observando Maria com vários potes nas mãos.

— Esse é o final de semana de folga dela; ela só volta na terça — minha mãe respondeu.

— Maria — gritei, encenando um drama —, como vou sobreviver sem você? — Joguei-me sobre a mesa.

— Pizza, você adora pizza, menina! — Maria respondeu, aos risos.

Maria trabalhava com a gente desde que eu tinha nascido. Quando era mais nova, ela costumava me contar histórias sobre fadas, duendes, bruxos e elfos, e eu adorava.

As Faces da LuzWhere stories live. Discover now