I.▕ aniversário e convento ♱

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⸺ Clarice, estamos fartos dessa sua irresponsabilidade! ⸺ Amélia, mãe da garota, gritava enquanto a filha estava sentada no sofá com o rosto borrado de maquiagem.

Clarice era considerada a filha rebelde, tinha recém completado dezenove anos e havia descoberto o que era farra.
Agora que era legalmente uma adulta ela poderia sair para comemorar com os amigos e curtir tudo o que há de bom na vida.

⸺ Mal fez dezenove anos e está agindo feito uma daquelas camélias da Zona! Estou cansada de me decepcionar com você, Clarice.

⸺ Estou agindo feito uma prostituta só por ter comemorado meu aniversário? Eu nunca me vendi para nenhum homem e se quer saber nunca me enfiei na espelunca do Maravilhoso! ⸺ Amelia escutava tudo aquilo de boca aberta, não sendo capaz de reconhecer sua filha.

⸺ Você não é a minha filha.

⸺ Eu nunca fui. ⸺ diz se aproximando da mãe. ⸺ Vocês sempre fizeram questão de dizer que amam mais a minha irmã do que a mim, a troco de que? Só porquê não me casei com dezessete anos e gosto de coisas "mundanas"?!

Clarice sentiu sua bochecha direita arder como nunca, sua mãe havia lhe dado um tapa na região.

⸺ Você me bateu?

⸺ Bati! E bateria de novo! ⸺ diz enquanto dava tapas pelo corpo da filha.

⸺ Mãe, chega! ⸺ A irmã mais velha chega e separa a briga entre as duas.

⸺ Você vai para o convento hoje mesmo!

⸺ O que?

⸺ É isso que você ouviu! Só vivendo com pessoas corretas você muda. ⸺ diz furiosa subindo as escadas pronta para fazer as malas da filha, que cai desolada no sofá.

(...)

⸺ Frei Gabriel, muito obrigada por receber Clarice. Ela precisa ouvir a palavra de Deus urgentemente! Só assim para curar essa rebeldia.

⸺ Dona Amélia, rebeldia não é doença para ser curada. Clarice será muito bem acolhida aqui e tua presença nas aulas de ensino religioso estão garantidas. ⸺ diz simpático enquanto pega as malas da nova hospede e ambos se despedem de Amélia.

⸺ Você não se perde aqui, não? ⸺ a jovem comenta observando o lugar que era gigantesco, Gabriel solta um riso fraco.

⸺ Não, irmã. Quer dizer, no começo sim mas tu se acostuma. ⸺ Se não se importa, irei te apresentar para o Santo, ele ficará responsável por ti durante a tua estadia.

⸺ Santo? Teve um milagre em Belo Horizonte e eu não tô sabendo? ⸺ pergunta brincando e o Frei ri com o comentário da garota.

⸺ Não, Clarice. Ainda não houve um milagre, Malthus é tão devoto a Cristo que é considerado um Santo. Esse menino é abençoado, um verdadeiro filho de Deus. ⸺ explica e de repente dispara em sua frente. ⸺ Ande logo, menina! Daqui a pouco tu irá conhecer o coral do convento. Vamos. ⸺ apressou Clarice que acabou o alcançando.

⸺ Frei, desculpe a pergunta, por algum acaso você é do Sul? Notei pelos 'bah' que você soltou. ⸺ imita o sotaque sulista e Gabriel solta uma risada nasal, concordando.

⸺ Sim, vim para Belo Horizonte trabalhar com o Padre Nelson, inclusive o Santo irá te apresentar ao Padre assim que anoitecer. Falando no Santo, Malthus! ⸺ ele chama a atenção do mais novo que vira e vai até os dois.

Os olhos de Malthus grudaram nos de Clarice, que eram num tom de marrom misturado com Âmbar.
Por sua vez a jovem ficou paralisada ao ver um Santo tão bonito. Ele tinha os traços tão delicados e uma expressão que transmitia paz. Parecia um anjo em terra.

⸺ Malthus, essa é Clarice. A moça que comentei mais cedo e que ficará aqui por um tempo.

⸺ Benção, Santo. ⸺ diz ainda com os olhos vidrados no de Malthus que permanecia calado. ⸺ Obrigada por aceitar ficar responsável por mim.

⸺ Não tem de quê, Deus esteja contigo. ⸺  diz rapidamente e se afasta, deixando os outros dois confusos.

⸺ Ele é sempre assim? Meio estranho?

⸺ Pior que não, o Santo é meio calado mesmo, mas hoje está esquisito.⸺ diz estranhando a situação, o que será que deu naquele garoto. ⸺ Ele te levaria ao resto do convento, mas já que ele saiu eu vou ter que te mostrar onde você vai dormir, venha.

(...)

Já era tarde da noite quando Clarice estava deitada na cama de seu mais novo quarto lendo um livro qualquer que sua mãe tinha enfiado em sua mala.

⸺ Clarice? ⸺ escuta uma voz masculina e calma a chamar acompanhada de duas batidas na porta.

⸺ Pode entrar, está destrancada. ⸺ se ajeita na cama e a pessoa entra no quarto. ⸺ Santo? O que faz aqui? Desculpa a bagunça, não tive tempo de arrumar as coisas.

⸺ Não se preocupe, vim saber como está e te chamar para o jantar.

⸺ Ainda estou me acostumando com aqui. Esse lugar é gigantesco. ⸺ riu sem graça.

⸺ Que livro é esse que você está lendo? ⸺ se aproxima de Clarice sentando ao seu lado na cama.

⸺ É um da Agatha Christie. ⸺ o entrega o livro e Malthus analisa o objeto. ⸺ Se quiser eu te empresto depois.

⸺ Agradeço mas não posso ler esses livros.

⸺ Você não pode ler outras coisas? ⸺ ele balança a cabeça em sinal de não.

⸺ Sou um cristão, devo ler somente ao que diz respeito à Cristo e à minha fé

⸺ Bom, de qualquer forma se quiser ler esse é só me pedir. ⸺ Se levanta da cama e Malthus a observa. ⸺ Pode me mostrar onde é o refeitório ou vai ficar me encarando com essa cara de bobo?

⸺ Ah, sim. Perdão, vamos. ⸺ se levanta rapidamente e acompanha Clarice até a sala de jantar.

A refeição foi silenciosa, Clarice as vezes tentava puxar assunto com Malthus que sempre dava respostas curtas, depois foi informada por Gabriel que a hora da refeição é uma hora sagrada, assim como várias coisas no convento, portanto eles não podiam conversar durante.

Após o jantar Malthus se ofereceu para levar Clarice até a sala de Padre Nelson, que não foi muito simpático por conta do histórico da garota.

Agora o Frei a acompanhava até seu quarto.

⸺ Obrigada por me acompanhar, Malthus. ⸺  deu um sorriso simpático. ⸺ Quer entrar um pouco?

⸺ Vou recusar seu convite, preciso fazer minha prece e já está muito tarde.

⸺ Sem problemas, então se é assim boa noite.

⸺ Boa noite, Clarice. Durma com Deus. ⸺ diz num tom tímido e sai.

Aquele havia sido sem dúvidas o dia mais louco da vida de Clarice.
Havia feito dezenove anos, mentiu para sua mãe dizendo que não foi à Zona mas tinha ido sim, foi expulsa de casa e agora estava morando num convento por tempo indeterminado.

Não tinha como piorar.

PRETTY WHEN YOU CRY | Frei MalthusOnde histórias criam vida. Descubra agora