Capítulo Um - Parte 1

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Com os olhos castanhos avermelhados fixados no horizonte, de cócoras, Mia Norwood assistia silenciosamente os tons quentes alaranjados invadirem o céu à medida que o sol retornava a imperar em seu manto. Os imponentes raios de luz se erguiam sobre a imensidão do árido deserto de Harah.

As longas madeixas negras ondulavam com o que provavelmente seria a última brisa fria da longa noite que partia, e Mia sentia sua pele ser chicoteada pelos milhares grânulos levados de um lado ao outro sobre o mar de areia.

Era doloroso e incômodo, mas ali estava ela. Passando mais uma noite em claro. Presenciando a majestosa lua cheia se desvanecendo e a ascensão do grandioso sol sobre o vasto deserto. Murmurando no seu forte interior uma prece aos deuses Una e Hakan, para que pudesse ser guiada mais um dia. Um ciclo cada vez mais repetitivo devido suas incontáveis insônias desde que tomara a decisão que tinha despedaçado seu coração em mil estilhaços e arrancado sua alma do corpo.

Cada vez que fechava seus olhos, esperando fugir da cruel realidade que vivia, a antiga princesa revivia o momento em que Lucky Berbatov percebeu seu plano, incrédulo com tamanha traição.

Suas pesarosas mãos ainda sentiam o peso do espelho mágico que sugou todas as memórias que Berbatov tinha dela, do primeiro ao último encontro.

A princesa se questionava se aquela não teria sido uma decisão inconsequente.

Se arrependia todos os dias.

Todos os momentos.

Todos os segundos.

Sua fragilidade tentava convencer que a decisão correta era a de tê-lo ao seu lado. Mas então, mesmo que sentisse uma facada no coração, ela recorria a sua razão.

Desde que conhecera o ladrão, ele colocava a vida em risco pela princesa sem hesitar. Sem questionar. Sem seguir suas vontades.

Se Lucky estivesse ao seu lado na guerra, viveria a prorrogação do sofrimento, da perda, da dor e a dissipação da esperança ao seu lado. O bradão ecoaria todos os dias na sua mente: guerras exigem sacrifícios.
E, de repente, tudo eclodiria.

"Foi por amá-lo de verdade que eu tive de deixá-lo ir. Cabe a você fazer sua decisão, Amélia", as palavras de Nádia ainda ecoavam na sua cabeça.

Mia Norwood teve assim de escolher entre: acreditar que juntos eles poderiam encontrar uma solução e terminar por perdê-lo para morte; ou perdê-lo para uma vida feliz, sem ela ao seu lado.

E desde que tivera de tomar tal decisão, Amélia sentia como se um pedaço de si tivesse sido arrancado e perdido à eternidade. Lutava para manter a sanidade. E temia que mesmo se um dia encontrasse uma resposta para aquele cruel enigma, nunca mais fosse capaz de recuperar o que ela tinha apagado.

Como uma vez seu falecido pai dissera, "o desespero nos submete a coisas horríveis".

Era tarde demais para compreender que ele sempre esteva certo.

A comandante fechou seus olhos e respirou fundo, reuniu suas forças e levantou-se do chão, com o corpo pesado como se uma rocha jazesse nas suas costas.
Uma reunião a esperava.

Na véspera, uma briga entre dois povos aconteceu no salão de jogos. Resultando na morte de um guerreiro de Mareen. E devido às condições incertas de como tal acontecimento deveria ser resolvido, representantes de cada povo foram convocados para aquela reunião.
Mia foi a primeira a adentrar aquela imensa sala de calcário liso, o escritório que outrora pertenceu a Lorde Diamat. Alcançou a grandiosa mesa de acácia e seus assentos vazios, deixou seus olhos caírem na cadeira que Berbatov tinha o hábito de sentar-se, aquela mais perto da jarra de vinhos  e com um grande aperto no coração apertou seus lábios uns contra os outros.

Ceres - A ascensão das SombrasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora