Consciência de classe

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As vezes sinto que jamais vou sobreviver no capitalismo. Ideias assim sempre vem em momentos simples, 00:54, um código que não funciona, uma decisão porcamente decidida, um mau estar qualquer.

Sinto que minha existência não possui valor, que todos meus problemas são culpa minha e que tenho eu que resolvê-los.

Claro que parte é verdade, não posso apenas sentar e culpar o sistema. Com seu patriarcado, meritocracia e heteronormatividade, ele completa o sentimento de que não tenho nada para adicionar, nele só tenho minha mão de obra para vender e meus ideais para tentar combatê-lo.

As vezes queria não ter conhecimento de nada, a ignorância de acreditar que realmente tudo depende de mim era mais simples, a ideia de que tudo está bem e que se eu levantar mais cedo e fazer os meus deveres poderia alcançar certo sucesso era mais acolhedora.

Mais um dia me vejo repensando todas as minhas escolhas, mais um dia desejo nunca tê-las feito, mais um dia me sinto vazio e sem singularidade.

Tentei me acolher em uma religião, quando vestia meu manto sagrado, subia no altar e glorificava um deus que quando eu precisasse me acolheria, eu me sentia mais leve. Nem tudo é culpa minha, nem tudo eu preciso resolver.

Não importa o que eu fizesse meu resultado seria o mesmo, voltaria para o mesmo canto, ouviria as mesmas músicas, voltaria aos mesmos vícios, teria as mesmas crises e lutaria comigo mesmo para continuar sobrevivendo.

Tento pensar nos bons momentos, nas boas amizades, nos bons sentimentos. Todos eles parecem durar muito menos do que qualquer outra dor e desconforto dura, tudo parece ser pintado do mesmo cinza que as paredes brutas das construções baratas feitas para a minha parcela da sociedade viver minimamente e servir o máximo possível.

Sempre gostei de sentimentos, adorava andar para a escola nas manhãs de inverno. As ruas escuras amanhecendo, o tempo esquentando e as cores criando contrastes dos cinzas da madrugada me faziam tão bem. Principalmente os cinzas, me vi muito em construções não terminadas e iluminações baixas, um vazio existencial que existia em todo lugar.

Talvez eu realmente não sobreviva, o tempo é a pior coisa que a economia criou. Não me pertence e tenho que me ocupar durante todo ele, sendo útil, sendo necessário, sendo tudo. Gostaria de não ser nada, não sou.

Como uma contradição tão grande passa todos os dias na minha frente e eu tenho apenas que engoli-la a seco? Como toda sociedade se mantém nesse mesmo sistema que a explora? Como os indivíduos nela sobrevivem?

Não importa o que eu faça, no menor dos problemas que tenho volto a questionar o valor da minha existência. Não vale nada, tenho que fazer que tenha algum valor, não depende de mim que ela tenha, tenho que mentir para mim mesmo que depende.

Tudo acaba, os sentimentos bons, os ruins, o sistema. Tudo leva tempo para acabar. Não tenho muito; e sinto que consumo duas vezes mais dele toda vez que me sinto assim; e que a maior causa do fim dele, além do capitalismo, sou eu.

Consciência de classeWhere stories live. Discover now